Abalar estruturas não é tarefa para qualquer bala, principalmente quando ela não é disparada, é só projetada como um projétil pretérito. Matar Gilmar Mendes, o arauto da esculhambação geral, também não é tarefa fácil, ao mesmo tempo em que ele blinda, ele também é blindado. Já a História tem demonstrado que blindar é tarefa fácil do Supremo Tribunal Federal e da Procuradoria Geral da República, em qualquer governo, disso já sabia Romero Jucá, que entrou para História feito uma bala traiçoeira nas costas da democracia.
Se achada ou se perdida, se disparada ou irreparada, isso não se discute, quanto mais quando se trata da bala invisível mais visível da história recente do Brasil, onde fazer “arminha” é uma ameaça muito séria a qualquer estrutura psicossocial de qualquer região do país, esteja ele sob a mira do crime organizado ou sob a mira dos homens de bem, uma vez que a estrutura da bandidagem é a mesma. A folha corrida dessa bala escondida tem muitos donos, muitos patronos, muitas acolhidas, desmedidas inclusive, e até muitas indicações, de boa fé e a serviço das fichas sujas de grandes famílias que emporcalham esses brasis.
Mas, Brasília não é um lugar qualquer, é o centro da vida pública e privada brasileira, que se torna trono quando transformada em bojo sanitário por onde escorre sempre a gosma que lubrifica as estruturas do poder. Nesse contexto, definir quem é bandido e quem é mocinho também não é tarefa fácil, da mesma forma que distinguir família de quadrilha é missão para o Coringa, o de Hollywood. Nesse baralhamento a sociedade é descartada, não serve nem como morto ou como bagaço, a não ser quando a opinião pública vira estardalhaço. É quando os paladinos surgem com suas armas nos bolsos e suas dignidades pregadas nas solas dos sapatos, prontos para defenderem a soberania nacional, depois que as balas perdidas encontrarem batalhões de inocentes.
Rodrigo Janot nunca será um justiceiro, muito menos Gilmar Mendes. Já o Supremo Tribunal Federal, a sensação que se tem é que será sempre um cabaré de luxo, em que a democracia sempre será uma prostituta de alto gabarito, frequentada por coronéis, senhores de engenho, doutores, militares, patriotas e subalternos que transitam exibindo o dinheiro público em altas jogatinas e patifarias morais. Já a Procuradoria Geral da República sempre será sua contraparente. Todos devem muitas explicações ao povo brasileiro. E não se trata aqui de medidas estupendamente descaradas, desavergonhadas, como investigar Janot após a sua bravata para vender livros ou desqualificar o conteúdo dos vazamentos do The Intercept, numa tentativa patética de chamar a atenção para uma suposta “fonte ilegal”.
A trama é complexa, vai muito mais além do que possa ser retido pela imprensa vagabunda. Depois de tramar o golpe, abertamente, a revista Veja agora tenta se redimir, como outras facções midiáticas arrependidas pelo prejuízo presente. Em uma reportagem recente o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo confirmou o teor das revelações de Janot sobre um pedido para blindar Eduardo Cunha, de qualquer investigação, feito no Palácio do Jaburu com o aval e na presença de Michel Temer, que recentemente reconheceu o golpe. Todos precisavam de Cunha para o andamento do sinistro. Ele só foi denunciado bem depois, com o Supremo e com tudo…
Janot disse que foi convidado por Aécio Neves para ser seu vice. Ele não aceitou, mas blindou a tucanalha inteira. Quem aceitou blindar as eleições após o golpe foi Moro, prendeu Lula e soltou a tramoia para ser ministro da Justiça, em barganha eleitoreira, e agora sonha em ser blindado para ser presidente. Toffoli blindou a Coaf e suspendeu investigações contra Queiroz, o mais invisível de todos os visíveis, agora blindado por Gilmar Mendes, a pedido de Flávio Bolsonaro, que por sua vez quer blindar o pai. Com tantos personagens e tantas tramas, não se sabe ao certo se isso é família ou se é quadrilha. A única certeza que se tem é que não é fácil ser bala diante de tanta blindagem.
Por Marcos Leonel – Escritor e cidadão do mundo
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri