Os organizadores da motociata “Acelera para Cristo” prometiam um “apocalipse das motos” para a manhã desta sexta-feira (15) em São Paulo, mas o evento estava mais para um passeio para senhores de meia-idade, bancado com dinheiro público e que, segundo especialistas, violou regras eleitorais.
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Não que a “motociata” em apoio ao presidente Jair Bolsonaro tenha reunido pouca gente na capital paulista. Foi o suficiente para bloquear a Rodovia dos Bandeirantes e atrapalhar a vida de quem só queria comer bacalhau com a família. Mas o público esperado passou longe da realidade — tão longe quanto as metas econômicas de Paulo Guedes.
Na concentração em frente ao Sambódromo, na zona norte de São Paulo, apenas uma das pistas da avenida estava ocupada por motoqueiros às 9h30. Mesmo assim era possível caminhar por ela sem esbarrar em guidões alheios.
“Vê o que aconteceu lá nos EUA. O [presidente] Trump estava bem na frente e aí aconteceu aquilo”, diz um homem a outro, em um bate-papo cheio de tensão. “Vai lá, vota naquele ladrão!”, gritou um homem enrolado em uma bandeira do Brasil e trepado em uma árvore no canteiro central da avenida. O alvo dos impropérios era um homem que faz sua corrida matinal e aproveita para gritar “Lula!”.
Os participantes da motociata eram, em sua maioria, homens grisalhos. A reportagem contou apenas dez mulheres no período em que esteve na concentração.
Michel Henrique Pinto, 37, era exceção. De início, ele se mostrou receoso em explicar o porquê de estar ali. Disse que participaria da motociata “mais pelo passeio”. “Mas, particularmente, eu apoio o nosso presidente. Então, juntou tudo.”
É um caso parecido ao de Daniel, 38, que não quis dizer o sobrenome. Como Michel, ele não pareceu muito disposto a conversar. Afirmou apenas que soube do evento pelo Instagram e estava ali em apoio ao presidente.
E o valor gasto com o “movimento”? “Não importa o valor. Se é para apoiar, tem que gastar”, afirmou Daniel. Ele prosseguia na análise: “não é economizando um real que você vai? Tem muita coisa aí que é feita, que é liberada. Muita coisa envolvida, muita fraude, muito dinheiro desviado, então, se for para fazer um bem? Entendeu?”.
“Portuga” é diferente. “Portuga”, apelido de Cesário Barradas, gosta de falar, e falava com a paixão de quem chegou ao Brasil em plena ditadura militar e não teve problema algum porque “não fumava maconha, não roubava nem matava”.
Ele tem 64 anos e “não tem nada a reclamar” sobre aqueles tempos. “Estou aqui em apoio à democracia. O que o país está vivendo, temos que correr atrás senão meus filhos e netos não terão um país bom”, diz “Portuga”. “A democracia não está em risco por parte do presidente, e sim pelo que está acontecendo. A esquerda, o STF? Eu acompanho direto e está feio, viu patrão?”.
Acompanha por onde? “Só pela internet. Não assisto televisão.”
Por volta das 10h20, já não havia quase ninguém em frente ao Sambódromo. A motociata seguiu rumo à cidade de Americana (SP), a 130 km de distância. Segundo o monitoramento de pedágios das rodovias de acesso ao interior, a “maior motociata do mundo” da hashtag bolsonarista registrou apenas 3.700 motos.
Princípio de confusão
Perto das 14h, o Parque de Eventos CCA estava cheio, mas não lotado. Quando a reportagem do TAB tentou entrar pelo portão principal da arena, após conversar com os apoiadores do lado de fora, já havia alvoroço.
Curiosos, motoqueiros que chegaram depois e moradores de Americana (SP) pediam para entrar, mas uma corrente de PMs impedia o acesso, junto às grades posicionadas na entrada. Afirmavam que o espaço que recebeu a motociata “Acelera para Cristo” estava repleto demais. Ao lado dos seguranças, a comissão organizadora do evento vestia camisetas temáticas.
Jair Bolsonaro, nessa hora, começava a fazer um discurso inflamado contra “os vermelhos”, o WhatsApp e o TSE. Uma nova funcionalidade da ferramenta que permite a criação de grupos com milhares de seguidores só deve ser lançada no País após as eleições de outubro.
O protesto do lado de fora prosseguia. Algumas pessoas ameaçaram entrar à força. Uma mulher, vestida de verde e amarelo dos pés à cabeça, insuflava os ânimos dos presentes e pedia aos policiais para liberarem o acesso. Dizia que ali só tinha “família”. “Aqui não tem malandro, não tem bandido, só tem família, deixa entrar.”
Os ânimos só foram serenados quando a PM voltou atrás e autorizou a entrada, desde que fosse realizada uma revista. Os retardatários, no entanto, só conseguiram pegar os minutos finais do pronunciamento de Jair Bolsonaro e o discurso na íntegra do pré-candidato a governador paulista Tarcísio de Freitas.
Após passar pela revista da Polícia Militar e descer uma ladeira em direção ao palco, havia uma mulher com um detector de metais. Mas várias pessoas passaram sem ser fiscalizadas.
Embora o evento tenha sido bem menor que o esperado, a presença de Jair Bolsonaro na cidade mobilizou a região desde as primeiras horas da manhã. Na rodovia Anhanguera, centenas de pessoas ficaram postadas nas imediações do Jardim Alvorada.
De acordo com a PM, mais de 20 mil pessoas estiveram presentes para ouvir tanto o pronunciamento de Bolsonaro e Freitas.
Do lado externo, caminhões parados também aproveitaram a oportunidade para fazer propaganda antecipada. Exemplo disso era uma faixa com hashtags de eleições com os nomes de Bolsonaro e Tarcísio.
Após o encerramento do evento, por volta das 14h30, milhares de motociclistas saíram em comboio para tomar novamente a estrada. Alguns, no entanto, pararam do lado de fora e celebraram a possibilidade de acompanhar de perto o presidente.
O aposentado Arnaldo Coletti, 59, que mora na região, afirmou que é bolsonarista convicto e que sempre faz passeios de moto aos finais de semana. Ao tomar conhecimento da motociata em apoio ao presidente, não pensou duas vezes. “Saí de casa às 10h da manhã e fiz um ‘esquenta’ com os amigos. Depois ficamos esperando no início da [rodovia] Luiz de Queiroz e, quando eles passaram, nós nos juntamos a eles”, disse.
Para ele, não é difícil explicar os motivos que o levam a apoiar o atual presidente. “Não [é] por ser somente o Bolsonaro, mas principalmente por ser contra a esquerda”, disse. “O país já foi muito roubado. Está na hora de entrar no eixo.”
Coletti tem uma teoria para explicar porque existe tamanha adesão de integrantes de clubes de motociclistas ao atual governo. “Os motoclubes têm normalização [disciplina] parecida a dos militares”, afirmou. Motocas, revólveres, bandeiras nacionais e outros símbolos mostram a reciclagem nacional das ideias conservadoras norte-americanas presentes no bolsonarismo. Não é de estranhar que o evento tenha terminado em Americana, cidade que no século 19 recebeu migração de confederados escravagistas do sul dos EUA.
Fonte: TAB/UOL