A estreia na bolsa de valores de Nova York nesta semana fez do Nubank o banco mais valioso da América Latina.
Com as ações precificadas em US$ 9, a fintech atingiu valor de mercado de US$ 41,5 bilhões, o equivalente a cerca de R$ 230 bilhões.
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Após o primeiro dia de cotação da New York Stock Exchange (NYSE), nesta quinta (9), os papéis fecharam em um valor ainda maior, cerca de US$ 10,5, elevando o valor de mercado a quase US$ 50 bilhões (cerca de R$ 278 bilhões).
O Itaú, que até então ocupava a primeira posição no ranking das instituições financeiras do país, tem valor de mercado de R$ 213 bilhões.
Em uma carta publicada na quarta, parte de um informe publicitário, um dos fundadores do Nubank, o colombiano David Vélez, relembrou o episódio que o motivou a empreender no setor bancário brasileiro. Em 2012, quando chegou ao país, ele levou quatro meses até conseguir abrir uma conta corrente em “um dos maiores bancos do Brasil”.
“Quando finalmente minha conta foi aberta, descobri que teria de pagar centenas de reais por ano em tarifas”, diz o texto.
No ano seguinte, o Nubank foi fundado, com a proposta de transformar em negócio a ideia de que muitos brasileiros sentiam que pagavam caro aos bancos tradicionais por serviços ruins.
Em 2014, lançou um cartão de crédito sem anuidade, seu primeiro produto. A inscrição, por meio de um aplicativo, era feita pelo celular com a submissão da imagem de um documento e uma selfie do futuro cliente, aprovado após uma análise de crédito.
Alguns anos depois vieram a conta corrente sem taxas e com TED gratuita, o programa de fidelidade, a conta PJ, produtos de seguro e a estreia em países como México e Colômbia.
Com uma estratégia de crescimento agressiva, a base de clientes do Nubank hoje soma 48 milhões de pessoas, fazendo da empresa o maior banco totalmente digital do mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, o maior “neobank” (outro nome usado no mercado para as companhias com esse perfil) é o Chime, que deve fechar 2021 com 20 milhões de clientes, conforme as estimativas da empresa de pesquisa eMarketer.
Em quase uma década de existência, contudo, a fintech brasileira ainda não conseguiu gerar lucro. O que explica então seu valor bilionário?
Fintech ou big tech?
O valor de mercado de uma companhia é resultado da multiplicação de dois fatores – o volume de ações em circulação e o preço de cada uma delas.
No caso do Nubank, o preço da ação é chave para entender o que trouxe a companhia até aqui. A ação foi precificada em US$ 9, um valor considerado elevado por alguns analistas no Brasil (o preço-alvo inicial era ainda mais alto, no intervalo entre US$ 10 e US$ 11, mas a empresa o reduziu para US$ 8 a US$ 9 no fim de novembro).
Para um negócio que não dá lucro, a principal explicação para o apetite dos investidores é uma expectativa de rentabilidade futura. É uma aposta.
“O mercado está precificando outra coisa”, diz João Bragança, diretor de serviços financeiros da consultoria Roland Berger.
Em sua avaliação, apesar de estar no setor bancário, o Nubank tem um modelo de negócio que, muitas vezes, o aproxima mais das empresas de tecnologia do que propriamente dos bancos.
Enquanto seu foco é “entender as necessidades dos usuários e desenhar produtos específicos para atender a essas necessidades”, o dos bancos tradicionais, grosso modo, está centrado na distribuição de produtos financeiros.
“O que eles sabem fazer é ligar 20 vezes para oferecer cartão de crédito, seguro. Empurrar produtos que, em geral, são ruins, que não casam com a necessidade do cliente e que oferecem uma péssima experiência para o usuário. É uma relação em que há atrito”, destaca.
“Quando eu deixo de empurrar produtos nos clientes e passo a olhar para as necessidades específicas de cada grupo, o atrito deixa de existir”, completa.
Tanto Bragança quanto o analista da Órama Investimentos Phil Soares, que também conversou com a reportagem, destacaram o fato de que os produtos lançados pelo Nubank geralmente têm tido boa receptividade entre os clientes nos últimos anos.
“Eles não liberam nada que não seja totalmente redondo”, ressalta Soares.
Bragança cita entre os exemplos o seguro de vida, que vem tendo boa adesão de usuários de renda mais baixa, e o novo cartão ultravioleta, voltado para os clientes de alta renda. Com um modelo diferente dos cartões premium que circulam hoje no mercado, ele oferece 1% de cashback em todas as compras no crédito e remunera a 200% do CDI o dinheiro que não for movimentado.
“A ideia é tornar a experiência a melhor possível. E, aí, você deixa de ser um banco e passa a ser uma plataforma de relacionamento. É um negócio de relacionamentos digitais”, diz Bragança.
Por que o Nubank não dá lucro?
Mas fato é que a empresa ano após ano registra prejuízos no balanço. Em outubro, anunciou seu primeiro período de lucro, de R$ 76 milhões no primeiro semestre de 2021, mas não há garantia de que o resultado do ano fechado vai estar no azul.
O desempenho é explicado pelo modelo de crescimento adotado pelo Nubank, com foco desde o início em ganhar mercado, investindo para aumentar a base de clientes.
A ideia de priorizar o crescimento em vez do lucro não é incomum entre as startups do setor de tecnologia, especialmente as mais inovadoras. A ideia é de que é preciso “queimar caixa” para entrar e se consolidar no mercado, fazer com que a marca seja lembrada pelos clientes.
A inspiração vem de casos bem-sucedidos como o da Amazon, lembra Soares, da Órama.
Depois de abrir o capital em 97, a hoje gigante do e-commerce levou 6 anos para registrar o primeiro trimestre de lucro. E seguiu divulgando resultados modestos pelo menos pelos 14 anos seguintes, até atingir o patamar atual de rentabilidade. Algumas divisões, como a de varejo, ainda hoje estão aquém da expectativa.
Nos comunicados a investidores, o fundador da companhia, Jeff Bezos, há anos reitera sua visão de que o negócio deve manter um nível elevado de investimentos, inicialmente para construir sua base de clientes e, mais recentemente, para desenvolver novas tecnologias e se manter inovadora.
No caso do Nubank, o crescimento agressivo dos últimos anos vem sendo bancado em grande medida por fundos de investimentos. Em cerca de dez rodadas de investimentos, a empresa levantou US$ 1,7 bilhão em recursos, usados para financiar a expansão. Um dos maiores aportes, de cerca de US$ 500 milhões, veio do fundo do superinvestidor Warren Buffett, o Berkshire Hathaway.
Em menos de uma década, o banco conquistou espaço em um mercado até então bastante concentrado. Até 2018, conforme relatório divulgado pela empresa de análise de investimentos Suno, 75% das operações de crédito no Brasil estavam nas mãos de um pequeno grupo, os “big five”: Bradesco, Itaú, Caixa, Banco do Brasil e Santander.
“Esse oligopólio está perdendo market share nos últimos três anos graças ao crescimento dos bancos digitais. E o grande protagonista dessa mudança foi e ainda está sendo o Nubank”, escrevem os analistas João Daronco, Lincon Broedel e Tiago Reis em um relatório extenso em que avaliavam o prospecto (documento divulgado pelas empresas que vão abrir capital) do banco.
Depois da estreia bem sucedida na bolsa, o desafio agora é mostrar que a companhia tem como entregar o que promete. O comportamento das ações nos próximos meses deve indicar se os investidores seguem acreditando que a empresa vale o quanto pagaram por ela.
Fonte: BBC News