O PT “não pode acreditar na história de que os evangélicos e as evangélicas são como se fossem um gado” e deve lembrar o segmento de que a maioria dos fiéis, pobre e periférica, foi beneficiada por políticas públicas iniciadas pelos governos petistas.
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As palavras são do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que antecipou neste sábado (27) a estratégia que deve usar para recuperar um bloco eleitoral que já lhe foi mais generoso.
Em encontro virtual de mais de duas horas, o petista propôs a criação de “um momento evangélico” na TV e na rádio do partido. Seria uma forma de reverter a falsa premissa de que o verdadeiro cristão não vota na esquerda, martelada por vários dos megapastores brasileiros, hoje alinhados ao presidente Jair Bolsonaro.
É uma argumentação fartamente usada por pastores com linha direta no Palácio do Planalto e maior canhão midiático, capitaneados por Silas Malafaia. Hoje, nenhum líder de uma igreja grande está ao lado de Lula. A bola era mais dividida antes —o próprio Malafaia, que apoiou Lula em 1989 e 2002, é exemplo disso.
O bispo Edir Macedo é outro termômetro para o debate eleitoral no campo religioso.
Raramente visto em eventos exteriores à sua igreja, ele vem usando a Folha Universal para expressar predileções ideológicas. Pois elas não são boa notícia para petistas que almejam uma reaproximação com Macedo, ex-parceiro dos governos Lula e Dilma.
Alguns editoriais recentes do jornal da Universal do Reino de Deus: “Vítimas da militância LGBT” (desagravo a Mauricio Souza, o jogador olímpico de vôlei que caiu nas graças bolsonaristas após criticar um beijo homoafetivo do novo Super-Homem), “Proibição da Bíblia na China: o que isso tem a ver com você, brasileiro?” (sobre uma suposta ideologia comunista propagada por PT e outras legendas esquerdistas) e “Os atos da esquerda falam por si mesmos” (a tese de que nenhum país governado pela esquerda deu certo). Houve também um elogio ao 7 de Setembro bolsonarista.
Segundo Lula, é importante oferecer uma contranarrativa “porque há muito fetiche, há muita queimação, há muita maldade, contra e a favor, há muito disse-que-disse”.
Em 2002, o PT distribuiu a Carta aos Evangélicos na porta de igrejas. No panfleto, o então presidenciável dizia possuir “esperança cristã” e fazia vários acenos a adeptos dessa religião, que por anos escutaram pregações que o comparavam a um demônio que fecharia igrejas se assumisse o poder.
Deu certo em parte. Em 2006, estima-se que Lula chegou a ter maioria dos votos evangélicos no segundo turno, contra o tucano Geraldo Alckmin. Transferiu a Dilma Rousseff, sua sucessora, alianças que solidificou com megapastores ao longo de dois mandatos. Edir Macedo foi um deles.
Em 2018, contudo, a maioria do segmento —da base à cúpula pastoral— preferiu Bolsonaro ao petista Fernando Haddad. Sete em cada dez eleitores evangélicos votaram no católico que soube se firmar como candidato preferencial dos pastores, segundo projeção do Datafolha.
Ponto importante sobre a reunião de sábado: todos os convidados na sala virtual já eram simpáticos ao PT.
Evangélicos progressistas acertam quando repelem a noção de um bloco monolítico de fé, como se todo fiel seguisse cegamente o que Malafaia, Macedo e companhia dizem.
O meio é plural e horizontalizado demais para isso, e são pelas veias abertas das pequenas igrejas, sobretudo nas periferias, que a mensagem evangelizadora corre com mais pulsão.
Mas pastores com projeção nacional, donos de horários na grade televisiva e, mais recentemente, catapultados pelas redes sociais, muitas vezes servem de bússola para peixes menores no meio.
Confortável no papel de porta-voz do grupo, Malafaia se tornou uma das faces mais conhecidas para os seculares (como evangélicos se referem a quem é de fora da crença deles).
Não está só, contudo. Nomes como André Valadão (Igreja Batista da Lagoinha), popular entre os jovens e com forte presença nas redes sociais, ajudam a disseminar o bolsonarismo nas bases.
Fato é que a força dos pastores que se assumem de esquerda é reduzida, e Lula ainda precisa furar essa bolha se quiser ganhar mais espaço nas igrejas.
Para tanto, sua campanha não descarta diminuir os decibéis para pautas identitárias e focar a economia, repetindo avanços da era petista —mais emprego e renda, menos fome e pobreza, faculdades mais acessíveis etc.
O ex-presidente discursou ao lado da líder nacional do PT, Gleisi Hoffmann, e da deputada Benedita da Silva, há décadas o principal quadro evangélico do partido. Na primeira parte da reunião, mais ouviu do que falou. Cerca de 15 evangélicos selecionados pela legenda se revezaram nas apresentações.
O tom afável monopolizou, vide esta fala do pastor Ariovaldo Ramos, veterano do evangelismo progressista: “O medo do futuro transforma nosso dia a dia no soluçar de dor, […] a extrema direita zombou do nosso Deus. Mentiram descaradamente, dividiram a gente, cooptaram, criaram uma sucessão de fake news”.
Com a palavra, Lula lembrou das sondagens eleitorais, Datafolha incluso, que têm registrado empate técnico entre ele e Bolsonaro, seu provável arquirrival em 2022.
“Nunca acreditei nessa história de que os evangélicos iriam votar não sei onde. Acho que os evangélicos votam naqueles que tiverem capacidade de convencer eles, que fizerem seus argumentos chegarem a eles”, afirmou o grão-petista.
E o que deu errado no pleito passado?
“Lamentavelmente, tivemos em 2018 uma campanha avessa, com fake news, com muita mentira, coisa que a gente não estava tão acostumado. E nós aprendemos, nós aprendemos. Eu acompanho pesquisa todo dia e não vejo Bolsonaro ganhar de mim nos evangélicos, eu não vejo. E isso porque ele já tá em campanha, e eu não tô ainda.”
Fonte: Folhapress