O presidente Jair Bolsonaro (PSL) decidiu indicar nesta quinta-feira (5) o subprocurador-geral Augusto Aras para o cargo de procurador-geral da República, em substituição a Raquel Dodge, cujo mandato de dois anos termina no próximo dia 17. Ela poderia ser reconduzida, mas acabou preterida na disputa.
Bolsonaro disse achar que está “fazendo um bom casamento”, pediu a apoiadores para darem “um tempo” a Aras e que é um “bom sinal” o fato de ele já ter sido criticado por veículos de imprensa.
“Sinal de que a indicação nossa é boa. Uma das coisas conversadas com ele, já era a sua praxe, é na questão ambiental. O respeito ao produtor rural e também o casamento da preservação do meio ambiente com o produtor”, afirmou Bolsonaro.
O presidente já havia escolhido Aras desde o final de junho. Ele optou, no entanto, por segurar o anúncio para arrefecer as críticas ao subprocurador-geral, sobretudo dentro de seu próprio partido, o PSL, que o acusavam de ter afinidade com a esquerda.
No período, Bolsonaro enviou interlocutores ao Congresso Nacional para falar individualmente com líderes de frentes parlamentares na tentativa de diminuir a resistência a uma indicação de Aras.
Nesta quinta-feira (5), antes do anúncio oficial, o presidente consultou sobre a escolha representantes das bancadas evangélica, do agronegócio e da segurança pública, consideradas os pilares de seu governo. Segundo relatos feitos à Folha, não houve maiores resistências.
O escolhido pelo presidente precisa agora ser aprovado em sabatina do Senado. O mandato é de dois anos. Pela primeira vez em 16 anos, o novo PGR não está na lista tríplice escolhida em eleição interna da associação nacional de procuradores.
Natural de Salvador, Augusto Aras, 60, é doutor em direito constitucional pela PUC-SP (2005) e mestre em direito econômico pela UFBA (Universidade Federal da Bahia, 2000). Foi professor da UFBA e hoje leciona na UnB (Universidade de Brasília).
Subprocurador-geral, último estágio da carreira, Aras ingressou no Ministério Público Federal em 1987, já atuou nas câmaras de matéria constitucional e de matéria penal e atualmente coordena a 3ª câmara (matéria econômica e do consumidor).
Também foi membro do Conselho Superior do MPF, procurador regional eleitoral na Bahia, de 1991 a 1993, e representante da Procuradoria no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), de 2008 a 2010.
Aras se lançou oficialmente à corrida pela PGR em abril deste ano, quando, em entrevista à Folha, foi o primeiro candidato a admitir publicamente que disputava o cargo por fora da lista tríplice —o que lhe rendeu críticas de colegas, que veem na eleição interna uma forma de garantir a independência da instituição em relação do Poder Executivo.
Em nota divulgada nesta quarta (4), a associação dos procuradores pediu aos membros do Ministério Público Federal que se mobilizassem contra uma indicação que desrespeitasse a eleição interna e recusassem convites para compor a nova gestão na PGR.
Aras, porém, tem afirmado que tem apoio de parte da categoria e antecipou que chamará para os cargos de segundo escalão procuradores de perfil conservador —ao gosto do presidente.
Para Aras, a eleição para formação da lista tríplice “atrai para o âmbito do Ministério Público Federal os vícios naturais da política partidária, a exemplo do clientelismo, do fisiologismo, da política do toma lá dá cá, inclusive, eventualmente, embora em nível reduzido conhecido, de corrupção, como ocorreu em alguns episódios da última gestão [de Rodrigo Janot], com prisão de procurador da República”.
A escolha do novo PGR vinha sendo precedida de uma eleição da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) para definir quem os membros da categoria mais querem no cargo.
Os três candidatos mais votados compõem uma lista tríplice enviada ao presidente da República. Embora ele não seja obrigado por lei a respeitá-la, a tradição vinha sendo seguida desde 2003.
Neste ano, os três nomes mais votados foram: Mário Bonsaglia, Luiza Frischeisen e Blal Dalloul.
Ao longo do processo de escolha, Bolsonaro recebeu pelo menos oito candidatos. Além de Aras, visitaram o presidente a atual PGR, Raquel Dodge, que desejava ser reconduzida, os subprocuradores-gerais Antonio Carlos Simões Soares, Paulo Gonet, Marcelo Rebello, Bonifácio Andrada e Mário Bonsaglia, este último integrante da lista tríplice da ANPR, além do procurador-regional Lauro Cardoso.
Na entrevista de abril à Folha, Aras contestou a ideia de que um procurador-geral que chega ao cargo sem o apoio da categoria não consegue manter a unidade do Ministério Público Federal. Alguns membros da instituição entenderam sua declaração como antecipação de um suposto “enquadro” que ele pretendia dar nos procuradores, caso fosse escolhido.
“O MPF está organizado na lei complementar 75/93. Essa lei estabelece quais são os órgãos do MPF […] A unidade há de ser mantida dentro da estrutura constitucional e da lei, estabelecida por seus órgãos superiores, de maneira que nós mantenhamos toda a casa dentro dos limites”, disse Aras naquela ocasião.
Ele também se diz entusiasta de medidas do governo Bolsonaro para destravar a economia, em especial na área de infraestrutura, manifesta apoio à Lava Jato “como política de Estado”, mas critica seu “personalismo”, e se autodeclara conservador —Aras é católico, como o presidente.
No passado, contudo, o subprocurador-geral já defendeu algumas teses ligadas à esquerda, como noticiou a Folha no início de agosto, e fez críticas à forma de atuação da Operação Lava Jato e às delações premiadas.
“O importante é que o sistema de Justiça, o Ministério Público estejam atentos, porque muitas vezes, e nós sabemos de casos concretos, em que autoridades do Judiciário, autoridades do Ministério Público, autoridades policiais [não cita casos específicos] procuraram usar esses colaboradores processuais [delatores] para atingir fins espúrios, ilícitos, imorais. Conseguiram determinadas delações para satisfação de caprichos próprios, para atingir adversários”, declarou em 2016.
No final da tarde desta quinta-feira, Bolsonaro justificou a escolha de Aras para apoiadores que o esperavam na entrada do Palácio da Alvorada.
O presidente desceu do carro e disse aos presentes que é preciso esperar e “dar um tempo” ao novo procurador-geral.
“O universo [de candidatos] era pequeno e eu tinha que escolher. O pessoal fica radical, [dizendo que] tem que botar um cara da Lava Jato. Tudo bem, então o cara é radical e quer acabar com a corrupção. Mas é um cara que é xiita na questão ambiental”, disse o presidente.
Em outro momento, ele revelou que havia tanto pressão pela recondução de Raquel Dodge ao posto quanto pela indicação do chefe da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, para o comando da instituição.
“A Raquel Dodge estava na fita, ontem [quarta] teve o problema [o grupo de trabalho da Lava Jato na PGR fez um pedido de demissão em protesto à titular do órgão]. Eu não vou acusá-la de nada”, declarou o presidente.
O mandatário criticou duramente o chefe da força-tarefa da Lava Jato. “O Dallagnol é outro também, rolou uma pressão para colocá-lo. Alguém sabe a vida de Dallagnol no tocante à ideologia de gênero, família, questão ambiental? E ficam enchendo o meu saco e dando palpite”, acrescentou.
Bolsonaro não deu mais detalhes sobre suas críticas a Dallagnol, mas recentemente a página oficial do presidente no Facebook compartilhou uma publicação que chama o procurador de “esquerdista estilo PSOL”.
“Outros nomes também apareceram. Eu tinha um universo ali de poucos para escolher. Eu acho que dei sorte, acho que escolhi o melhor, que estou fazendo um bom casamento. Na frente do padre que é o Senado, para aprovar o nome dele”, concluiu Bolsonaro.
Reuniões
O subprocurador-geral teve várias reuniões recentes com Bolsonaro, intermediadas pelo ex-deputado Alberto Fraga (DEM-DF), amigo do presidente. A última reunião foi no sábado (31). Para Fraga, Aras é “um bom nome que pensa no progresso e no desenvolvimento do país, e quer ajudar o Brasil a se desenvolver”.
Em 12 de agosto, Aras concedeu uma segunda entrevista à Folha na qual buscou demonstrar afinidade com temas caros ao governo, como a crítica a uma suposta “ideologia de gênero” e à decisão do STF de criminalizar a homofobia.
“Eu não concordo com certos julgados do Supremo que, por analogia, têm aplicado certas regras que somente ao Congresso compete legislar, a exemplo da criminalização da homofobia [julgada em junho deste ano]”, disse.
“A Constituição reconhece a família como união de homem e mulher, e também por analogia o Supremo, dando uma interpretação conforme a Constituição, estendeu a entidade familiar às uniões homoafetivas [em julgamento de 2011]. Isso tudo encontra em mim um repúdio natural, como jurista, em que a entidade familiar, nos termos da Constituição, envolve homens e mulheres”, afirmou.
“Eu não posso, como cidadão que conhece a vida, como sexagenário, estudioso, professor, aceitar ideologia de gênero […]. Não cabe para nós admitir artificialidades. Contra a ideologia de gênero é um dos nossos mais importantes valores, da família e da dignidade da pessoa humana.”
O indicado também é crítico da política de cotas raciais para ingresso em universidades e apoia a excludente de ilicitude para proprietários rurais que atirarem em invasores de suas terras —defende que eles não respondam criminalmente, como Bolsonaro já pregou.
O que faz o procurador-geral
É o chefe do MPF e representa a instituição junto ao STF e ao STJ. Também tem atribuições administrativas ligadas a outras esferas do Ministério Público da União (que inclui também Ministério Público Militar, Ministério Público do Trabalho e Ministério Público do Distrito Federal e Territórios)
Fonte: Folha.com