A descoberta de artefatos em um sítio arqueológico na comunidade São Bento, na cidade do Crato, aponta a presença de grupos Tupi na região do Cariri. O material foi coletado em uma pesquisa realizada entre os anos de 2013 e 2021 e reforça teses levantadas por estudos arqueológicos na década de 1980.
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Restos de fogueiras, ainda com quantidade significativa de carvão, foram enviados para datação em um laboratório da Flórida, nos Estados Unidos, e apontam para essa presença no Ceará há cerca de 2.400 anos.
A pesquisa foi realizada durante o processo de licenciamento ambiental e cultural das obras do Cinturão das Águas do Ceará (CAC), projeto da Secretaria de Recursos Hídricos do Estado (SRH).
Inicialmente, o estudo foi coordenado pela arqueóloga Rosiane Limaverde, falecida em 2017, e em seguida pelo arqueólogo Agnelo Queirós, que concluiu o trabalho e apresentou seus resultados em relatório para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Vasto acervo arqueológico
Dentre os sete sítios arqueológicos encontrados e pesquisados na área do CAC, o sítio São Bento/Lagoa Encantada se configurou como o mais significativo em relação às informações identificadas.
“Foi caracterizado como um sítio Tupi por conter um vasto acervo arqueológico da cultura material desses povos, conhecidos, de forma geral, pela vasta e rica produção ceramista e lítica, além da agricultura e especificidades da dieta alimentar e outras atividades culturais e tecnológicas”, detalha.
Nas escavações, foi encontrada uma importante diversidade de fragmentos e vasilhas em cerâmica ricamente decoradas. Entre outros artefatos, também foram encontradas peças que compunham a estrutura de fusos, peças que evidenciam a prática da tecelagem.
“Estes grupos viveram em período pré e pós-colonial e são subdivididos em acordo com outras gerações, mas com aspectos culturais compartilhados.”
Agnelo Queirós, arqueólogo
Contudo, só a partir do processo de datação se pode saber quando estes grupos passaram pelo território do interior cearense. Para isso, foram coletadas estruturas de combustão em blocos e seixos rochosos.
“Também podem ser enviados ossos ou outros materiais orgânicos”, destaca Agnelo. Neste caso, foi o carvão encontrado, no mesmo contexto da cerâmica, que passa por um processo de Radiocarbono (C14) no laboratório da Beta-Analytic, na Flórida, nos Estados Unidos, o mais próximo do país capaz de apontar esses resultados.
Os resultados apontaram para a datação de cerca de 2,4 mil anos atrás, a terceira datação mais antiga já realizada no território do Cariri cearense para sítios de contexto e cultura material semelhantes.
O carbono coletado para a datação é destruído durante o processo de análise, enquanto o restante das peças encontradas, como material cerâmico e lítico, estão na Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Cariri, instituição de endosso e salvaguarda do acervo arqueológico.
Origem dos Tupi no Cariri
Conforme aponta a literatura arqueológica e antropológica, o tronco cultural linguístico Tupi tem sua origem na região amazônica, no Norte do País, mais especificamente no atual estado de Rondônia, em períodos pré-coloniais, e seguiram em dispersão e povoamento de outras áreas do atual território brasileiro através da Região Centro-Oeste, seguindo então pelo Sul, Sudeste e Nordeste.
Por muito tempo se acreditou que essa dispersão somente tinha acontecido pelo litoral. No entanto, desde a década de 1980, pesquisas apontam a presença de distintos grupos de origem Tupi, os chamados proto-tupi, ou diferentes tradições relacionadas ao tronco linguístico Tupi, em áreas de interior.
O resultado dessa pesquisa a partir do material encontrado em Crato corrobora com essas novas teses que os grupos Tupi ocuparam o interior do Nordeste. No contexto do Cariri, de um desenvolvimento local de uma cultura proto-tupi.
“Ressaltamos que esses dados devem continuar sendo reavaliados e confrontados aos de novas pesquisas e datações, em especial relacionadas à cerâmica de produção Tupi, para assim calibrarmos essas informações cronológicas e culturais”, pondera Agnelo.
“A grande dúvida é de como essa migração, essa expansão com essa cultura material, se expandiu por áreas litorâneas e de interior, sendo que, até então, a área mais dominada de ocupação que se tem certeza é a área litorânea.”
Agnelo Queirós, arqueólogo
Além das questões científicas, na perspectiva de uma Arqueologia Social Inclusiva, essas novas informações, na visão de Agnelo, enriquecem o conhecimento da história pré e pós colonial no Cariri cearense e também fortalece seu território diante da proposta de tornar a Chapada do Araripe um patrimônio cultural da humanidade junto à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Por outro lado, o arqueólogo acredita que o achado também oferece um fortalecimento dos movimentos sociais, sobretudo ligados aos movimentos aos grupos e povos originários indígenas, que caminham para autoconhecimento identitário, luta por território e direitos culturais. “Nisso, destacamos a comunidade indígena Kariri, no Poço Dantas, em Crato”, completa.
A pesquisa e os resultados apresentados serão, em breve, publicados em artigo científico. O material resgatado durante a pesquisa se encontra sobre a salvaguarda da Fundação Casa Grande que, após a flexibilização das medidas restritivas no enfrentamento a Covid-19, estará aberto ao acesso e conhecimento de pesquisadores, movimentos sociais e da comunidade em geral.
Por Antonio Rodrigues
Fonte: Diário do Nordeste