O procurador-geral da República, Augusto Aras, recebeu hoje (27), em mãos, o relatório final da CPI da Covid, aprovado ontem à noite pela maioria dos titulares da comissão —o placar foi de 7 votos a 4.
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O documento foi entregue nesta manhã por senadores membros da CPI e outros que acompanharam de perto os trabalhos do colegiado. Esta foi a primeira ação do G7 (grupo majoritário da comissão, formado por oposicionistas ao governo do presidente Jair Bolsonaro e independentes), após a votação do texto.
O relatório final recomenda 80 indiciamentos, sendo 78 pessoas e duas empresas.
O presidente é apontado pela CPI como um dos principais responsáveis pelo agravamento da pandemia. O relatório sugere que ele seja responsabilizado e investigado por dez crimes.
Entre as imputações ao chefe do Executivo federal estão crimes comuns, que têm pena de prisão e/ou multa, crimes contra a humanidade e crimes de responsabilidade, que podem resultar em impeachment, em última instância.
“Esta CPI já produziu resultados. Temos denúncias, ações penais, autoridades afastadas e muitas investigações em andamento e agora, com essas novas informações, poderemos avançar na apuração em relação a autoridades com prerrogativa do foro nos tribunais superiores”, disse Aras, segundo a assessoria da PGR (Procuradoria-Geral da República) pelo Twitter.
O procurador-geral não falou com a imprensa após a entrega do relatório.
Participaram da reunião o presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM), o vice-presidente Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o relator Renan Calheiros (MDB-AL), Rogério Carvalho (PT-SE), Humberto Costa (PT-PE), Otto Alencar (PSD-BA), Fabiano Contarato (Rede-ES), Simone Tebet (MDB-MS) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE), além do líder do PT na Câmara dos Deputados, deputado federal Bohn Gass (RS).
Denúncia contra Bolsonaro depende de Aras
A CPI não tem poder para punir suspeitos. Portanto, as sugestões de aprofundamento de investigações e de indiciamentos contidas no relatório serão encaminhadas aos órgãos de fiscalização e controle —sobretudo o MPF (Ministério Público Federal), por meio da PGR (Procuradoria-Geral da República), e o Ministério Público dos estados, com foco no Distrito Federal e em São Paulo, onde já existem apurações em andamento.
Cabe ao Ministério Público promover a responsabilidade civil ou criminal dos infratores. Caso a denúncia seja oferecida, os fatos serão analisados pela instância da Justiça competente. Se um investigado tiver foro privilegiado em âmbito federal, situação que inclui Bolsonaro, por exemplo, o foro proporcional é o STF.
Randolfe afirmou que os próprios membros que integraram a CPI farão a “repartição de competências” em relação a quem tem ou não foro privilegiado.
“Acertamos [com Aras] que faremos a entrega dos processos às demais instâncias do Ministério Público”, disse.
Pela importância central do MPF para eventual denúncia contra o presidente Bolsonaro, a primeira providência dos senadores do G7 foi entregar o relatório final da CPI a Aras.
Parte dos senadores da CPI tem receio de que o PGR engavete as sugestões da comissão. Isso porque ele foi indicado ao cargo por Bolsonaro, cujo governo é o principal alvo de eventuais irregularidades investigadas pelo colegiado. Aras afirmou que fará uma análise independente.
Caso o Ministério Público chegue à conclusão de que, apesar do trabalho da CPI, não há elementos mínimos que justifiquem o processo criminal, não oferecerá a denúncia.
A entrega do relatório final ao Ministério Público dos estados, como de São Paulo e do Rio de Janeiro, deve acontecer a partir de 8 de novembro, devido ao feriado de Finados da semana que vem.
Caso o procurador-geral não avance com as sugestões de indiciamentos listados no relatório final, os senadores do G7 cogitam entrar no STF com uma “ação penal subsidiária da pública”.
Hoje a senadora Simone Tebet (MDB-MS) afirmou, após o encontro com Aras, que a postura dele a surpreendeu.
“O que me chamou atenção, eu que sou muito crítica à PGR, é que a resposta do procurador foi muito firme, então nós temos de dar esse benefício. Ele mesmo fez um pedido à comissão, para que não atrasasse processo de análise e de posterior denúncia”, afirmou.
Encontro no STF com foco em fake news
Após a entrega do texto a Aras, os senadores foram encontram o ministro do STF Alexandre de Moraes, responsável pelos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos no tribunal, para também lhe oferecer uma cópia do relatório. A CPI e o STF já compartilharam informações sobre disseminação de notícias falsas e desinformação.
Previsto no Código Penal com pena de 3 a 6 meses de prisão, o delito de incitação ao crime foi o mais recorrente no texto final da comissão. Foi por esse crime que Renan Calheiros, relator da CPI, pediu indiciamento para todos os suspeitos de disseminar fake news durante a pandemia.
Das 78 pessoas que foram alvos de pedidos de indiciamento, 26 foram enquadradas por incitação ao crime. Ou seja, um em cada três citados no relatório foi acusado pelos senadores de disseminar fake news ao longo da crise sanitária.
Há ainda jurisprudência no STF que permite que as informações contidas no relatório de uma CPI possam ser utilizadas por outros órgãos de apuração e/ou execução, tanto na esfera criminal quanto na cível. É o caso, por exemplo, de um eventual inquérito da Polícia Federal que proponha o aprofundamento de um ponto específico da investigação conduzida pela CPI.
Criação de ‘observatório’ e pedido de impeachment
Ainda nesta semana, os membros do G7 e outros senadores que apoiaram a CPI da Covid deverão criar uma frente que, na prática, funcionará como um observatório para acompanhar os desdobramentos do relatório final da comissão.
Randolfe disse que a intenção é aprovar a resolução para criação do observatório ainda hoje.
Por meio da iniciativa, os senadores pretendem entregar o relatório final da comissão ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-PL), na semana que vem.
Isso porque o documento também imputa ao presidente Bolsonaro o cometimento de crimes de responsabilidade previstos na Lei do Impeachment (1070/50) —violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo—, que dependem da análise preliminar do presidente da Câmara para posterior andamento no Congresso Nacional.
O atual presidente da Câmara é desafeto de Renan Calheiros por questões políticas locais.
A CPI não pode pedir diretamente o impeachment de Bolsonaro, mas, além de o eventual pedido ter a previsão de acontecer por meio do observatório, o pedido de afastamento do presidente deverá ser subscrito por um grupo de juristas —em articulação pela cúpula da comissão.
A abertura de um processo de impeachment hoje é improvável, pois o governo é apoiado pelo centrão, do qual Lira, que já se manifestou contrário à medida, é líder informal.
A CPI imputa a Bolsonaro ainda crimes contra a humanidade (extermínio, perseguição e outros atos desumanos). A eventual responsabilização depende do Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda. O colegiado não chegou a uma definição de como agirá neste caso.
O relatório final também pode ser usado como ponto de partida para a elaboração de projetos de lei no Congresso.
Fonte: UOL