A ciência evolui, novas vacinas são criadas, outras melhoradas, mas o interesse da população por elas só cai. No Ceará, a taxa de cobertura dos principais imunizantes aplicados na infância está 38% abaixo da meta, em pleno outubro. Se não for revertido, será o pior índice em 27 anos.
O último ano em que o Ceará ultrapassou 95% de crianças e adolescentes imunizados contra as principais doenças da infância foi 2018. Em 2019, o índice ficou em 89%, caindo para 81% na pandemia, em 2020. Neste ano, até 15 de outubro, só 56,8% da meta foi atingida.
Os dados consideram as taxas de imunizados pelas vacinas BCG, rotavírus humano, meningocócica C, pentavalente, pneumocócica, poliomielite, tríplice viral e os respectivos reforços previstos no Calendário Nacional de Vacinação; e foram extraídos do Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI).
Se observado cada município cearense, 177 estão com coberturas vacinais abaixo dos 90%. Os únicos que já atingiram ou ultrapassaram a meta foram Pires Ferreira, Quixeré, Ererê, Jaguaribara, Itaiçaba, Salitre e Capistrano.
Retorno de doenças preocupa
Entre todos os imunizantes, o menos procurado pela população-alvo é a dose de reforço contra a poliomielite, que deve ser aplicada aos 4 anos de idade: só 43,3% das crianças foram imunizadas, até este mês.
Em seguida, a cobertura da segunda dose da tríplice viral é a que mais preocupa, diante de uma taxa que amarga os 44,6% – menos da metade do preconizado pelo Ministério da Saúde. A vacina previne sarampo, caxumba e rubéola.
A pediatra Vanuza Chagas alerta que a falta de proteção das crianças abre caminho ao retorno dessas e de outras enfermidades já controladas no Ceará e no Brasil. “Muitos de nós não vimos doenças que já foram erradicadas no nosso país, como a poliomielite, e isso leva as pessoas a não colocarem a vacinação em dia”, exemplifica.
A pediatra ressalta a relevância da informação como instrumento de conscientização nas escolas e nos núcleos familiares. “A aproximação dos profissionais de saúde com a família e a facilitação do acesso, com a vacinação domiciliar ou com horários alternativos, para que a população tenha acesso à vacinação fora da jornada de trabalho” propõe como forma de mudar o cenário de baixa cobertura.
Kelvia Borges, coordenadora da Célula de Imunização da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), alerta que há baixas coberturas em todas as regiões cearenses, o que exige dos pais e responsáveis a atualização da caderneta.
“É importante proteger essas crianças, para que não se criem bolsões de pessoas suscetíveis às doenças. O Ceará recebe muitos turistas, se os agentes circulam no País, há risco”, frisa.
Risco do retorno de doenças
“Com raras exceções, é um problema de toda a sociedade. Depois que as coisas melhoram, a gente esquece. Houve um importante trabalho de cobertura vacinal durante muitos anos, as doenças sumiram, e a sociedade pensa que não vai voltar. Um equívoco da população achar que as doenças, por estarem controladas, não têm possibilidade de retornar. Se tenho pessoas que não estão vacinadas, corre-se o risco de adoecer e reintroduzir doenças”, explica Jocileide Campos, médica pediatra, professora e presidente Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), regional Ceará.
Não é preciso ir muito longe no tempo: o Brasil havia erradicado o Sarampo. Em 2016, o País recebeu um “certificado de erradicação” da Organização Pan Americana de Saúde (OPAS), da Organização Mundial da Saúde (OMS). Até que a cobertura vacinal foi reduzida e em 2018 os casos reapareceram.
No ano seguinte, pelo menos, três estados já apresentavam surto da doença. O Ceará passou pelo problema entre 2014 e 2015, só resolvido com ampla cobertura vacinal. De acordo com Jocileide, ficou perceptível a queda na cobertura vacinal (não de sarampo, mas dos imunizantes em geral) no próprio ano de 2015. “Não houve um trabalho forte em cima disso. Aí chegou a Covid e as pessoas passaram a ter mais receio”.
Antes da pandemia, o mundo todo já precisava combater fake news, ainda que não fosse este o nome usado, dos grupos anti-vacina. No Reino Unido, o médico Andrew Wakefield propagou a informação, sem qualquer revisão científica sólida, de que a vacina contra o sarampo provocava transtornos mentais, o que acabou desencorajando pessoas a se vacinarem.
Uma investigação revelou que, antes de elaborar o estudo contra a vacina vigente, o referido profissional tinha buscado a patente de outro imunizante concorrente. Além disso, outro médico que participou da pesquisa afirmou que Andrew mentiu sobre as crianças pesquisadas terem vestígios de sarampo. A fraude caiu por terra, mas de tempos em tempos os imunizantes são alvos dos grupos anti-vacina com os mais diferentes interesses.
“Falta campanha de comunicação pelos governos”, diz SBIm
“As pessoas estão procurando muito pouco a vacinação. É preciso que haja uma intervenção na linha de comunicação, informar as pessoas sobre a importância de se imunizar. No final dos anos 80 as coberturas vacinas eram baixas, parecidas com as de hoje.
Então houve um trabalho forte de comunicação, divulgação em televisão, rádio, jornal. As escolas faziam cartazes com os alunos, havia seminário com jornalistas e radialistas, orientando a forma adequada de divulgar, até as novelas faziam divulgação da importância da vacinação.
Está faltando uma campanha de comunicação tanto pelo Governo Federal como estados e municípios”, avalia Jocileide Campos, médica pediatra e presidente da Sociedade Brasileira de Imunização SBIm, regional Ceará.
A médica lembra que, em outros períodos, os agentes de saúde realizavam busca ativa das crianças que passavam da data de imunização. “Foi uma estratégia que funcionou bem. A gente não só vacinava como arquivada a data da próxima vacina. O agente de saúde verificava quem não tinha se vacinado e ia até a casa. Hoje é até mais fácil de fazer. Basta olhar no prontuário eletrônico e ver a criança que não veio para a vacina na data correta”, explica.
Para que serve cada vacina?
• BCG: previne formas graves da tuberculose;
• Poliomielite: contra a chamada “paralisia infantil”;
• Meningocócica C: contra meningite e infecção generalizada;
• Pentavalente: contra difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e meningite;
• Pneumocócica: contra pneumonia, otite e outras infecções;
• Rotavírus humano: contra diarreia causada por esse agente;
• Tríplice viral: contra sarampo, caxumba e rubéola.
Por Theyse Viana e Melquíades Júnior
Fonte: Diário do Nordeste