Em meio às cobranças públicas sobre a atuação frente a processos que atingem o presidente Bolsonaro e seus aliados, a Procuradoria-Geral da República solicitou ao Supremo Tribunal Federal a abertura de inquérito contra o cantor Sérgio Reis, o deputado federal Otoni de Paula, o caminhoneiro Zé Trovão e mais sete pessoas, entre elas empresários do agronegócio, classificando como um “levante” os “atos violentos de protesto” que o grupo quer convocar para a véspera do feriado de 7 de setembro.
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“O objetivo do levante seria forçar o governo e o Exército a ‘tomar uma posição’ em uma mobilização em Brasília em prol do voto impresso, proposta que foi, recentemente, derrotada na Câmara dos Deputados, bem como a destituição dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Para tanto, pretendem dar um ‘ultimato’ no presidente do Senado Federal, invadir o prédio do Supremo Tribunal Federal, ‘quebrar tudo’ e retirar os magistrados dos respectivos cargos ‘na marra’.”
Trecho do pedido da PGR
O documento foi assinado pela subprocuradora-geral da República, Lindôra Araújo — braço direito do chefe do órgão Augusto Aras — e culminou nas buscas que são cumpridas pela Polícia Federal nesta sexta-feira, 20. A Procuradoria quer investigar a “convocação da população, através de redes sociais, a praticar atos criminosos e violentos de protesto às vésperas do feriado de 7 de setembro, durante uma suposta manifestação e greve de caminhoneiros”. Segundo a PGR, foram solicitadas diversas medidas cautelares diversas da prisão temporária.
A Procuradoria pediu a livre distribuição do inquérito, isto é, o sorteio entre todos os ministros. No entanto, o caso acabou no gabinete de Alexandre de Moraes, por prevenção. Segundo fonte que acompanha o caso, o STF deu esse encaminhamento porque Moraes já era relator de uma representação apresentada por senadores sobre o mesmo tema.
Os pedidos da PGR foram acolhidos por Alexandre em decisão dada nesta quarta, 18, sendo que o despacho registra diversas das suspeitas que recaem sobre os investigados, detalhando as articulações do grupo. No documento de 22 páginas, Alexandre de Moraes não só mandou a PF fazer buscas, mas também proibiu os investigados — com exceção de Otoni de Paula — de se aproximarem da Praça dos Três Poderes, dos ministros do STF e dos senadores da República.
Além disso, ordenou o bloqueio de uma chave Pix (e da conta a ela vinculada) que, segundo a PGR, tem recebido “doações de particulares para financiar a paralisação” planejada pelo grupo.
São alvos do inquérito, além de Sérgio Reis, Otoni de Paula e Zé Trovão, o cantor Eduardo Oliveira Araújo, o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja Antonio Galvan, Wellington Macedo de Souza, que se apresenta como coordenador nacional da Marcha da Família, além de Juliano da Silva Martins e Bruno Henrique Semczeszm.
Ao menos três deles — Sérgio Reis, Eduardo Araújo e Turibio Torres — estiveram em reuniões no Planalto semana passada. No dia 12 de agosto, o assessor especial de Bolsonaro, Mosart Aragão, publicou nas redes sociais um vídeo do presidente ao lado de Sérgio Reis e Eduardo Araújo, no palácio.
Articulação dos ‘atos violentos’
Segundo o despacho, “o início da divulgação da ideia atentatória à Democracia, ao Estado de Direito e suas Instituições” se deu no início de julho durante transmissão ao vivo em que o caminhoneiro Zé Trovão incitou seguidores, a pretexto de fazer um pronunciamento sobre uma suposta greve dos caminhoneiros, a invadir o Supremo e o Congresso Nacional e a “partir para cima” do presidente e do relator da CPI da Covid de modo a “resolver o problema [do aumento] dos combustíveis no Brasil”.
A PGR relatou a Alexandre que o caminhoneiro bolsonarista se “empolgou” com a repercussão da live e seguiu postando vídeos convocando a população a “exigir a exoneração dos onze ministros do STF”, dizendo ainda ter feito um contato com o agronegócio para “apoiar sua causa”. De acordo com a Procuradoria, havia uma “preocupação de se evitar que órgãos de segurança pública tomem conhecimento da conspiração em andamento”.
Ainda segundo o órgão, a partir do dia 15 de julho, passaram a circular nas redes sociais publicações com as frases “paralisação dos caminhoneiro e o povo”, “exoneração dos ministros do STF”, “07 de setembro 2021” e “agro, caminhoneiros e o povo, juntos num só objetivo”. Dez dias depois, a mobilização teria começado a tomar forma, indicou o Ministério Público Federal, com uma reunião realizada no hotel no Blue Tree Premium Faria Lima, “sob os auspícios do ‘Movimento Pro Brasil'”.
“A Procuradoria-Geral da República aponta que, aproximadamente, 20 (vinte) pessoas participaram do referido encontro, entre as quais o próprio Marcos Antônio Pereira Gomes (Zé Trovão), Sérgio Reis, Eduardo Oliveira Araújo, Alexandre Urbano Raiz Petersen, Turíbio Torres, Juliano da Silva Martins e Bruno Henrique Semczeszm.”
Alexandre de Moraes, em despacho
Após o encontro, Sérgio Reis passou a se manifestar em favor da mobilização dos caminhoneiros diz a PGR. A Procuradoria cita os vídeos que circularam nas redes sociais com a convocação da paralisação contra os ministros do STF, frisando que, em uma das gravações, o aliado de Bolsonaro “sugere que o movimento conta com apoio financeiro para manter os manifestantes hospedados e alimentados em Brasília por mais de um mês” e “dá a entender que esteve reunido em Brasília com integrantes do Ministério da Defesa e do Exército, Marinha e Aeronáutica”.
Em outro vídeo citado pela Procuradoria, Sérgio Reis aparece discursando ao lado de Zé Trovão, Eduardo Araújo e Antonio Galvan para 23 empresários do agronegócio na sede da Associação Brasileira dos Produtores de Soja.
Com relação aos demais investigados, a PGR diz que um dos empresários que teriam participado da primeira reunião do grupo em São Paulo, Petersen, é presidente de associação chamada Coalização Pro-Civilização que “tem recebido transferência bancárias com uma chave Pix na qual figura o domínio o site Brasil Livre”.
“São doações de particulares para financiar a paralisação planejada por Zé Trovão, possivelmente patrocinada por Antonio Galvan e amplamente divulgada por Wellington Macedo e por sua Marcha para a Família”, registra trecho da representação da PGR reproduzida na decisão de Alexandre.
Já sobre Torres, Martins e Semczesz, a PGR diz que não é possível aferir ao certo seus papeis no suposto esquema, mas que, ao que tudo indica, “os dois primeiros pertencem a um núcleo operacional da aventada empreitada criminosa, na medida em que vêm tendo um papel ativo na montagem das caravanas, na intermediação de contatos políticos e na logística de acampamento em Brasília”.
Semczesz, por sua vez, é apontado como articulista do site Brasil Livre, “simpatizante da Sociedade de Defesa da Tradição, Família e Propriedade e responsável pela tradução de uma entrevista em alemão com a deputada ultraconservadora Beatrix von Storch [neta de um ministro de Adolf Hitler, acusada de propagar ideias neonazistas que se reuniu com Bolsonaro]” e, segundo a Procuradoria, “parece integrar-se a um núcleo ideológico do grupo”.
Ainda de acordo com a PGR, Otoni de Paula seria integrante do núcleo do político do movimento, diz a PGR.
“O parlamentar fluminense teria hipotecado apoio ao levante no sábado, 14 de agosto, quando redigiu o seguinte tuíte, em tom de ameaça ao Senado Federal e a ministros do Supremo, o que, obviamente não se insere na esfera abrangida pela imunidade parlamentar material constitucionalmente prevista: ‘Dia 7 de setembro temos que ir às ruas com pauta única- Art. 52 da CF. Temos que forçar o Senado Federal a abrir processo de impeachment contra Moraes e Barroso. Ou eles abrem o impeachment contra Moraes e Barroso. Ou eles abrem o impeachment ou paramos o país por tempo indeterminado. Não é mais por Bolsonaro, é pela nossa liberdade'”, indicou a PGR na representação enviada a Alexandre de Moraes.
Fonte: Estadão Conteúdo