O Ministério Público Federal (MPF) espera conseguir, ainda neste ano, uma decisão favorável para a repatriação de um fóssil de pterossauro que saiu irregularmente do Cariri em 1983. Batizada de Cearadactylus ligabuei, a peça que serviu para a descrição da espécie foi retirada da Bacia Sedimentar do Araripe, em Santana do Cariri, e está em um museu da cidade de Veneza, na Itália.
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Outros quase mil fósseis apreendidos na França estão em fase final para ser transportadas de volta ao Brasil.
O procedimento para a repatriação do fóssil de pterossauro começou em 2013, na Procuradoria da República de Juazeiro do Norte. Na investigação, ficou constatado que não houve autorização do antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) — atual Agência Nacional de Mineração — para sua retirada do território brasileiro.
Este material consiste em um crânio com mandíbula superior de pterossauro e um fragmento da asa com membrana. Os fósseis datam do período Cretáceo, há aproximadamente 110 milhões de anos.
De acordo com a investigação do MPF, as peças foram coletadas durante a expedição Leonardi-Lingabue, em setembro de 1983, que contou pesquisadores italianos, franceses e brasileiros.
Um representante do DNPM, Diógenes de Almeida Campos, acompanhou a expedição, na época, e, em depoimento ao MPF, contou que não houve extração de nenhum fóssil e, se houve, não havia autorização sua ou de outro agente do órgão.
Saída precisa ser autorizada
O Decreto-Lei Nº 4.146, de 1942, determina que os fósseis são propriedade da União. Ao contrário de alguns países, como os Estados Unidos, Alemanha e o Reino Unido, a compra e venda no Brasil é proibida. A extração depende da autorização prévia da Agência Nacional de Mineração.
Independem dessa autorização e fiscalização os exploradores que representam museus nacionais e estaduais, e estabelecimentos oficiais, que ainda precisam comunicar antecipadamente o mesmo órgão. A pena para quem comercializa as peças varia de um a cinco anos de prisão.
Uma Portaria do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, de nº 55, de 14 de março de 1990, determina que materiais e dados científicos do Brasil só podem ser estudados fora do país com algumas condições, dentre elas, o intermédio de uma instituição técnico-científica brasileira, a participação de ao menos um cientista brasileiro na pesquisa e a devolução do material.
O texto diz ainda que o Ministério reterá, do material coletado, os holótipos — peças que servem de base para a descrição da espécie, que é o caso do fóssil que se encontra em Veneza.
De acordo com o procurador da República, Celso Costa Lima Verde Leal, autor do pedido de busca e apreensão, realizado em 2017, as autoridades italianas pediram uma complementação da investigação, que aponte o responsável pela saída deste fóssil. A documentação foi enviada em março deste ano. “Agora estamos aguardando a decisão final”, explica.
A demora em todo o procedimento, que já dura oito anos, se dá pela burocracia que envolve a tradução de documentos e a comunicação entre autoridades diplomáticas, “que é bem lenta”, admite Leal. Apesar disso, o procurador acredita que até o fim deste ano ou início de 2022, tenha um parecer positivo.
“A grande dificuldade foi saber como saiu. Geralmente, são crimes que não se sabe nem quando, nem onde. Por sorte, tínhamos a data aproximada e conseguimos contato com pessoas que participaram da expedição e que ainda estão vivas. Foi um trabalho de reconstituição”, completa.
Enquanto isso, os fósseis estão sob custódia no Centro Studi e Richerche Ligabue, na Itália.
Retorno de quase mil fósseis da França
Paralelo a isso, o MPF já conseguiu a autorização da Justiça da França para repatriar 998 fósseis da Bacia do Araripe, entre animais e plantas. O pedido de devolução do material foi feito por meio da Secretaria de Cooperação Internacional da Procuradoria-Geral da República (SCI/MPF), no fim de 2019. A decisão da Corte de Apelação de Lyon foi proferida em 24 de fevereiro deste ano.
Os fósseis foram apreendidos em agosto de 2013, no porto de Havre, um dos principais da França, localizado na região da Normandia. O material contrabandeado estava escondido em contêineres que levavam quartzo do Brasil para o país.
“Estamos aguardando apenas questões burocráticas”, pondera Leal. O governo brasileiro terá que designar uma transportadora, mas, segundo o procurador, já existe um procedimento aberto na Advocacia Geral da União para fins desta contratação.
Reitor da Universidade Regional do Cariri (Urca), o professor Lima Júnior conta que a instituição e a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Educação Superior do Estado (SCT) já estão em tratativas para fechar o orçamento do translado destes fósseis. A estimativa é que o gasto seja de R$ 250 mil.
“É uma ação de grande interesse de todos que defendem a ciência. Vamos conduzir para onde o fóssil deve ficar, de fato”, ressalta.
A ideia da Urca é que, ainda em 2021, se consiga a repatriação destas peças, que ficarão sob a salvaguarda do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, em Santana do Cariri.
O equipamento possui um dos principais acervos fossilíferos do período Cretáceo da América Latina, com mais de 10 mil fósseis com reserva técnica, destinados ao estudo científico, destacando importantes e raros materiais de diversas formações.
Combate à saída ilegal
O paleontólogo Álamo Feitosa, líder do Laboratório de Paleontologia da Urca, faz um apelo para que os pesquisadores, estrangeiros ou brasileiros, ajam na legalidade e que evitem o contato direto com os chamados “peixeiros”, trabalhadores das minas de calcário laminado que vendem os fósseis.
“Quando não se tem a quem vender, eles vão cessar com essa atividade de juntar coleções clandestinas com intuito de ganhar dinheiro”, acredita o pesquisador.
A partir de 2005, a Urca qualificou seus profissionais de Paleontologia, em mestrado e doutorado, e desde este período criou um núcleo de pesquisa, escavações e divulgação deste trabalho. São cinco pesquisadores vinculados ao Museu de Santana do Cariri e mais 15 profissionais no corpo técnico, trabalhando no dia a dia.
Com a estrutura atual, equipamento se tornou o principal aliado para manter os fósseis. “Hoje, fazemos Paleontologia no mesmo nível que instituições da Europa, Estados Unidos, Japão. É bom lembrar que temos o contato e trabalhamos em rede com pesquisadores destes países”, exalta Álamo.
Com tudo isso, o pesquisador também reforça: “O Cariri não é fechado para pesquisa científica, seja com brasileiros ou estrangeiros, mas existe um protocolo legal, principalmente, para que o material não saia do Brasil se forem peças importantes. Podemos até doar fósseis em excesso, feito de forma legal, transparente e dentro da normalidade”, finaliza.
Por Antonio Rodrigues
Fonte: Diário do Nordeste