Apenas com as celebrações litúrgicas realizadas de forma remota, a tradicional Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio, em Barbalha, chegou ao seu segundo ano consecutivo afetada pela pandemia da Covid-19. Sem a multidão que lota as ruas da terra dos Verdes Canaviais, o evento se aproxima do dia do padroeiro, no próximo domingo (13), de forma discreta. Uma exposição no Cariri Garden Shopping, na cidade vizinha de Juazeiro do Norte, está aberta para marcar este período do festejo. O município vive lockdown há quase um mês.
Desde o dia 30, quando houve a bênção e o hasteamento da bandeira do padroeiro de forma simbólica, com presença de sete dos mais antigos carregadores do Pau da Bandeira, a Igreja tem realizado celebrações com transmissão online e outras atividades na web, como o tradicional leilão e a quermesse. Shows religiosos são atração às 20h30. O encerramento acontece com uma missa, no próximo domingo (13), às 9h. Tudo isso transmitido pelo Facebook da Paróquia de Antônio.
“Usamos os recursos e têm funcionado porque as pessoas estão mais educadas. É o segundo ano sem a festa. Ano passado, na mesma situação, foi mais difícil. Enfrentamos até manifestações. Este ano, pela própria situação da Covid-19, em que muitos barbalhenses perderam alguém, há esse sentimento de saudade (da festa), mas um cuidado maior”, acredita o reitor da Paróquia de Santo Antônio, o padre Cícero Leandro Cavalcante. Até o último boletim epidemiológico, divulgado ontem, Barbalha registrava 6.108 casos da Covid-19 e 162 óbitos.
Exposição
Sem o evento, o Cariri Garden Shopping resolveu abrir uma exposição contando um pouco sobre a festa, que também é reconhecida como patrimônio imaterial brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Além de fotos, a ação reúne importantes elementos do evento como pedaços do pau da bandeira, estátuas do santo e simpatias populares. Lá, a advogada Socorro Luna, um dos símbolos do festejo, distribui seu famoso chá feito à base do tronco que serve de mastro para o padroeiro. “Nessa exposição, fazemos uma homenagem aos festejos juninos, assim como também à população de Barbalha”, destacou a gestora do centro comercial, Ataina Ferreira.
Para Socorro Luna, o convite de mostrar um pouco da cultura de Barbalha na exposição também é uma forma “de não deixar morrer a tradição, nossas crenças e as simpatias populares”, reforça. Na sua avaliação, a pandemia reforçou a crença popular e a fé em Santo Antônio. “Continua inabalável”, resume a advogada, conhecida por ser “a solteirona mais famosa do Brasil”.
Por outro lado, a Prefeitura de Barbalha cancelou o Festival Cultural da Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio, previsto para acontecer desde o último dia 29 de maio. A ação que aconteceria de forma remota, em cumprimento aos decretos municipal e estadual de prevenção ao coronavírus, previa reunir artistas e grupos da cultura popular barbalhense.
Como muitos destes fazedores de cultura são idosos ou pertencem aos grupos de pessoas mais vulneráveis ao coronavírus, o governo municipal optou pelo cancelamento.
“Mesmo sendo um evento online, restrito a poucas pessoas, eles estariam expostos”, argumentou o prefeito Guilherme Saraiva. A decisão foi tomada após consultar o Núcleo de Epidemiologia e a Vigilância Sanitária.
Em contrapartida, a gestão prometeu enviar o Projeto de Lei de Auxílio Cultural Santo Antônio à Câmara de Vereadores. Se aprovado, pagará um recurso de R$ 500 exclusivo para os artistas barbalhenses, que se inscreveram no edital do festival, entre 14 e 20 de maio.
“Não haverá seleção, todos os artistas que se inscreveram no edital nesse período poderão receber. Respeitamos o luto que vive nossa cidade e os artistas, para evitar qualquer tipo de risco aos nossos fazedores de cultura”, justifica o secretário de Cultura e Turismo de Barbalha, Isaac Luna. Ao todo, foram 115 inscrições deferidas.
Prejuízo se arrasta
Sem o evento pelo segundo ano, o presidente da Câmara de Dirigentes e Lojistas de Barbalha, Alcides Marcelo, enxerga um impacto muito grande no comércio local. “O Pau da Bandeira é nosso principal alavancador. Mexe com hotelaria, setor de bares e restaurantes, vestuário”, pontua.
Com a pandemia, muitas empresas fecharam as portas e os vendedores ambulantes foram duramente impactados. “Aqui, conseguiu-se apurar dinheiro para o resto do ano. Muitas pessoas viviam daquilo”, reforça.
Antes da paralisação, o líder da CDL destaca que o comércio na cidade vinha de um constante crescimento. “O Pau da Bandeira é interessante, porque é uma festa local. Não divide seu potencial com outras cidades. As pessoas deixam suas cidades e vão para Barbalha. Sempre que fazemos um levantamento, sempre um ano vai superando o outro. Nunca é abaixo ou igual ao evento anterior”.
Mesmo enxergando o impacto, Alcides entende que o evento não pode acontecer no momento por conta da pandemia. “Qual a saída para isso? Não temos. A gente lamenta, mas não sabemos o que fazer”, desabafa o presidente da CDL.
Dor
Para aqueles que fazem do evento um grande momento de devoção ao padroeiro, a sensação é de um vazio. “É como se não tivesse cumprido alguma coisa. Algo está faltando”, descreve o capitão dos carregadores do Pau da Bandeira, Rildo Teles.
“A festa é importante para nossa gente, nossa cultura, nossa religião. Fazemos com muito amor e dedicação. Chegar no dia do pau e não sair nas ruas é frustrante. Entendemos e respeitamos a gravidade do momento, mas nada tira esse vazio”, acrescenta.
A própria Socorro Luna, que durante o trajeto é carregada sobre o Pau da Bandeira pelas dezenas de homens, desabafa: “Tem hora que falta até as palavras. Me emociono, porque é difícil ficar sem essa grande festa. Uma coisa que faz parte da minha vida. Neste isolamento, a gente só se apega ao nosso padroeiro. Não é fácil, mas a pandemia não conseguiu mexer com nossa fé”, conta sem segurar o choro.
Por Antonio Rodrigues
Fonte: Diário do Nordeste