A forma como vemos uma cidade é interpretada pela imagem que suas ruas nos transmitem quando andamos por elas. Logo, boas cidades são caracterizadas por disporem de uma geometria urbana interessante e funcional, no qual o foco direciona-se para outras formas livres de locomoção (como o deslocamento a pé e o uso de bicicletas) e os automóveis trafegam por vias compartilhadas de maneira segura e a uma baixa velocidade.
A rua é uma poderosa ferramenta do design e tem o papel estruturador do tecido urbano, ela definirá as características funcionais e estratégicas do espaço. Historicamente as ruas foram projetadas para as pessoas, e isto é perceptível ao analisarmos os centros históricos de algumas cidades, no qual percebe-se que o foco não era o automóvel e as características físicas estão relacionadas com a escala humana.
As ruas dos centros históricos conectam-se com o todo desde o mobiliário, as calçadas, o paisagismo até as edificações. Juntos, todos esses elementos constroem uma sequência lógica e arquitetônica interessante e que refletem a identidade do local. A velocidade era mensurada de outra forma, na passada das pernas dos muitos que circulavam por ali, e não por carros velozes e barulhentos. Surge então a pergunta: Qual o segredo das ruas seguras e atraentes aos habitantes? E como podemos criá-las?
Fazer boas ruas vem naturalmente das pessoas e a simplicidade é a palavra chave para que isso possa acontecer. A idéia é projetar ruas em que as pessoas queiram estar, que sejam atraentes e cheias de detalhes tornando o passeio harmonioso de forma que possamos convidar outros a ter a mesma experiência, que nos induza a querer permanecer e criar relações sociais com os demais cidadãos.
O projeto paisagístico ajuda a definir bem o espaço entre as edificações e a via, a sombra alta de uma árvore trás conforto e faz com que o espaço seja visualmente contido como se houvesse uma extensão de uma sala de estar ao ar livre. A iluminação abaixo da copa das árvores e as janelas nas fachadas transmitem segurança aos transeuntes por eliminar pontos de sombra e áreas duvidosas durante a noite, e conter sempre ao menos um par de olhos atentos a tudo o que acontece nestes espaços públicos. Além disso, a composição harmoniosa e a sequência lógica das fachadas ajudam a tornar o passeio interessante e a movimentar o bloco. Uma boa via possui a riqueza de todos esses elementos que são convidativos e estimulam o trajeto diário dos que por ali passam.
Partindo do senso de que o design das cidades começa com o design das ruas, seria uma das soluções remodelar a geometria baseada nos carros, a fim de transformar e resgatar o que ficou perdido nos centros históricos, e devolver aos moradores lugares seguros.
O que pode tornar a grade dos centros urbanos interessante é a implementação de variações de largura das vias misturadas à blocos curtos, podendo ser acrescido às quadras a implementação de parques ou praças que desempenham uma real função para a população, e que não seja apenas uma multiplicação de “elefantes brancos” espalhados.
Em cidades com declives suaves, seguir a topografia do relevo e prover curvas pouco salientes ajuda a suavizar o desenho da grade. Uma técnica de design tradicional é mudar a inclinação ou direção da rua somente em um cruzamento. Já para regiões com acentuadas declividades, as subidas e descidas angulosas se tornam mais interessantes visualmente se puderem manter um ritmo longo e evitar deformações em seu trajeto. Deslocar a grade de modo a se ter variações de ruas com três ou quatro blocos de comprimento, e utilizar-se de diagonais são ainda alguns dos recursos que trazem dinamismo e personalidade à composição do tecido urbano.
Estamos numa era em que os nossos olhos estão voltados por muitas horas à tela dos dispositivos móveis e a nossa percepção de espaço e os sentidos mudaram ou tomaram uma outra direção. Quando saímos, olhamos para a realidade através dos smartphones, fazemos registros, ajustamos e utilizamos efeitos de cores e tantos outros mais possíveis. Ao invés de repararmos com os próprios olhos, passamos a notar tudo o que está em volta através de uma tela reduzida, isso quando não passamos o dia enclausurados em ambientes fechados.
O olho nu e atento ao mundo perdeu-se com as mudanças de costumes, e a utilização dos sentidos para descrever e interpretar os espaços deixaram de ser necessários em muitas situações. Em que momento perdeu-se o hábito caminhar pelos espaços fisgando nas calçadas as sombras das árvores e notando realmente o que tem ao nosso entorno? O que ocorreu durante a fase da expansão urbana que modificou os cenários e locais de passeio a ponto de expulsar os pedestres dos novos centros urbanos?
O crescimento da malha urbana trouxe consigo várias transformações espaciais e junto a ela multiplicou-se um extenso emaranhado de viadutos que dominam a paisagem das cidades. Correndo a passos largos, o desenvolvimento urbano impôs novas mudanças na estrutura sem necessariamente atender as necessidades dos seus habitantes e a respeitar a harmonia e manutenção de um lugar.
No período da Segunda Guerra a proposta do automóvel era facilitar a vida de modo a conectar e encurtar distâncias. A velocidade e o ronco do motor tornaram-se protagonistas desde então. Tomando proporções maiores ao longo dos anos, a construção de vias de alta velocidade vêm intimidando cada vez mais aos que ainda pensam em realizar um trajeto sem a utilização de um transporte motorizado.
Não percebemos as transformações supracitados até o momento em que nos colocamos no lugar do pedestre. A percepção que temos de um lugar quando sob rodas, muda completamente ao experimentar fazer um trajeto caminhando. A falta de pedestres em muitos trechos ocorre pelo uso exacerbado de automóveis, a falta de segurança e calçadas adequadas, a falta de iluminação baixa (abaixo da copa das árvores), e a criação de grandes avenidas que são desencorajadoras. Temos que lembrar que apenas uma parcela da população possui condições de ter um automóvel.
Por várias vezes ao caminhar na cidade em que moro, tive a sensação de que estava cometendo algo errado por ser uma das poucas pessoas a estar fazendo uso de um espaço público em determinada área e atrai olhares de surpresa e curiosidade dos que passavam de carro. Observar alguém realizando um trajeto a pé ou parado numa calçada esperando para fazer o uso da faixa de pedestre, são hábitos que vão aos poucos sendo substituídos pelo uso de automóveis particulares. Como pode as cidades serem tão densas e ao mesmo tempo tão vazias?
A boa notícia é que a redescoberta de centros históricos e a vontade de reconstruir espaços com diferentes formas de locomoção estão sendo implementados em vários países visando uma melhoria na qualidade ambiental e consequentemente no bem estar de seus habitantes.
Como exemplo disso, na Holanda, precisamente na cidade de Eindhoven, o incentivo do uso de bicicletas vem se multiplicado em grandes proporções e agora estão sendo analisadas estratégias para se restringir a circulação de veículos no centro da cidade. Se possível, vamos reduzir o domínio dos automóveis e fazer destes espaços um lugar misto, compartilhado e seguro à todos.
Inspirado em: Street Design, DOVER,Victor / MASSENGALE John.
Por Gabriela Gomes. Apaixonada pela Arquitetura e o Urbanismo. Acredita em uma arquitetura participativa como uma ferramenta capaz de provocar mudanças e promover a inclusão social. Por um Urbanismo sustentável e inteligente. Juazeirense, reside atualmente em San Jose, CA
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri