A cardiologista Ludhmila Hajjar disse nesta segunda-feira, durante entrevista à “CNN Brasil”, que recusou convite do presidente Jair Bolsonaro para assumir o Ministério da Saúde por não concordar com medidas defendidas pelo presidente, como o uso de cloroquina e outros medicamentos sem comprovação científica para covid-19. Diferentemente de Bolsonaro, a médica também entende ser necessária a adoção pontual de lockdown como forma de diminuir o ritmo de transmissibilidade do vírus.
“Não é o momento de assumir a pasta, o que vi e aprendi na medicina e ciência está acima de ideologia ou expectativa que não seja pautada em ciência”, argumentou, pontuando que o Brasil precisa “pautar a sua atuação pela ciência para sair do sufoco”.
Ludhmila relatou ter tido dois encontros com Bolsonaro em que teria exposto seus posicionamentos sobre a doença, com críticas à atuação do governo federal. Para a médica, a doença foi subestimada e houve atraso nas tratativas para aquisição de vacinas.
“Eu acho que o Brasil até o momento errou no combate à pandemia. O Brasil precisa de uma virada. Virada de entendimento, virada de ações. Subestimou a doença no início. Faltou muita discussão e eficiência na aquisição das vacinas, hoje estamos pagando o preço, correndo atrás de forma tardia e com muita gente morrendo”, afirmou.
Após a divulgação de que seu nome estava sendo avaliado para a pasta, a médica disse ter sido vítima de ataques nas redes sociais e até mesmo de tentativa de invasão a seu quarto de hotel. Embora assustada, garantiu não ter sido o motivo para negar o convite.
A médica citou o apoio que possuía entre ministros do Supremo Tribunal Federal e do presidente da Câmara, Arthur Lira, que chegou a fazer uma manifestação pública, ontem, defendendo o seu nome. Para ela, é sinal de que o “Brasil está buscando um rumo para salvar vidas”.
Questionada sobre o futuro da doença no país, Ludhmila previu dias “difíceis”, que exigem mudança de rumo do governo de forma imediata, e frisou a necessidade de se adotar lockdown em locais com situação crítica.
“Infelizmente, tenho previsão dos próximos dias serem bastante difíceis. De hospitais lotados, falta de vagas, de muitas mortes. Mortes por falta de estrutura, de atendimento e também por falta de treinamento e recurso humano qualificado”, disse. “Tem dias que os municípios vão acordar sem leitos de UTI, com as pessoas morrendo na porta do hospital, dentro de ambulâncias. Não há outro jeito a não ser fechar e conter a transmissão. Isso não tem que ser política nacional, tem que ser pautada em questões técnicas”.
Mais tarde, em entrevista à “Globo News”, a médica afirmou que a atuação do governo na pandemia deixa um “cenário sombrio” para o país, em que o número de mortes pode atingir entre 500 mil e 600 mil. A doença fez, até agora, mais de 278 mil vítimas fatais. “O Brasil vai chegar a 500 mil, 600 mil mortes. E ainda teremos sequelas e consequências que não estão sendo pensadas”, afirmou. “Os números atuais não refletem ainda no número real de mortes.”
Para a médica, o país não poderia estar preso à discussão sobre o chamado “tratamento precoce”, cujo principal defensor é Bolsonaro. “O mundo todo sabe, a ciência mostrou que o paciente tem que ser tratado, mas algumas medicações já se mostraram não ser eficazes”, pontuou, citando drogas como cloroquina e ivermectina, durante a entrevista na “CNN”.
“Eu já prescrevi cloroquina, no desespero”, explicou. “Mas inúmeros estudos vieram para mostrar de forma definitiva a não eficácia destes medicamentos. Assuntos como cloroquina e lockdown são secundários, não deveriam nem estar sendo discutidos. O lockdown já é demonstrado cientificamente que ele salva vidas”.
Na entrevista à “Globonews”, a médica disse que, após conversas com o presidente, viu que não havia “convergência técnica” entre eles e não abriria mão de se pautar pela Ciência. Também defendeu a necessidade de uma união em busca de vacinas que cheguem mais rapidamente ao país.
Ao fim da entrevista na “CNN”, Ludhmila disse apoiar o nome do cardiologista Marcelo Queiroga, que estaria sendo sondado para assumir o ministério, e reforçou que o país precisa de alguém de perfil técnico para comandar a pasta.
Fonte: Valor Econômico