A dor de perder um ente querido é singular. A vivência do luto é uma ebulição de sentimentos. No entanto, cada vez mais pessoas têm conseguido exercitar a empatia em meio ao sofrimento. São nos minutos seguintes à constatação da morte que os familiares devem optar por doar, ou não, os órgãos do parente falecido. Na região do Cariri cearense, essa decisão favorável à doação de órgãos ensaia um crescimento após três anos de queda.
De janeiro a junho deste ano, a Organização de Procura de Órgãos (OPO), instalada no Hospital Regional do Cariri (HRC), captou 41 órgãos, dos quais 34 foram córneas. Em igual período de 2018, foram captados 21 córneas e nove órgãos múltiplos. O crescimento, neste período, foi superior 7%. O quantitativo do primeiro semestre de 2019 representa, ainda, 80% de tudo que fora captado ao longo do ano passado. Caso a média de captações seja mantida no transcorrer deste segundo semestre, os números ao fim do ano tendem a superar os de 2016, quando a OPO Cariri registrou recorde de doações, com 74 captações.
Segundo Wagner Brito, enfermeiro da OPO e representante do Banco de Olhos do Ceará, no Cariri, o significativo crescimento na captação deve-se ao maior acesso à informação. “Hoje, as pessoas estão muito mais conscientes sobre a importância da doação. Muitos são os casos que alguém da própria família já foi beneficiado com uma doação, e, por isso, acaba se colocando no lugar do próximo”, pontua. Ele acrescenta ainda que a “OPO realiza palestras frequentes em unidades de ensino e comunidades para mostrar a importância da doação e o grande quantitativo de pessoas que um só doador pode beneficiar”.
Expansão
Além do trabalho de conscientização, esse aumento na região caririense é reflexo da expansão nos centros que realizam a captação dos órgãos. Até 2017, apenas o Hospital Regional do Cariri (HRC) realizava o procedimento. No ano posterior, esse número saltou para quatro. “Hoje, além do HRC, fazemos as captações no Hospital São Francisco, no Crato, e nos Hospitais São Vicente de Paula e Santo Antônio, ambos em Barbalha. Além disso, foi implantado, dentro da Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce) de Juazeiro do Norte, um ponto do Banco de Olhos”, detalhou Brito.
As captações podem ser feitas, ainda, em hospitais particulares. “Se a família nos manifestar interesse de doações dos órgãos de um ente querido falecido, vamos até a unidade hospitalar”, pontua o enfermeiro da OPO. Além de Juazeiro do Norte, são feitas captações em Fortaleza e Sobral.
Segundo os médicos, um único doador de órgãos salva, em média, de oito a dez pessoas, podendo chegar a 20, com o transplante de córneas, esclera, coração, pulmões, rins, fígado, pâncreas, pele, ossos e válvulas cardíacas. “Para se ter uma ideia, um par de córneas pode beneficiar até quatro pessoas, pois alguns necessitam apenas da esclera”, completa Wagner Brito.
A crescente captação de córneas no Cariri, no entanto, não se assemelha ao cenário do Estado. No primeiro semestre deste ano, foram transplantadas 422 córneas, cerca de 3,5% a menos em relação a igual período de 2018, quando houve transplante de 437 córneas, conforme a Secretaria de Saúde do Estado. As informações foram analisadas pelo Núcleo de Dados do Sistema Verdes Mares.
Apesar da discreta redução, no primeiro trimestre do ano, o Ceará foi o quarto estado a realizar mais transplantes de córneas (198), ficando atrás apenas de São Paulo (1.308), Minas Gerais (283) e Goiás (216). O Estado do Acre apresentou o pior desempenho, com apenas sete córneas transplantadas neste período.
O quantitativo de transplantados nos três primeiros meses do ano fez com que a fila de espera para receber córneas, no Ceará, quase zerasse. Em março, essa fila era composta por apenas duas pessoas. Entretanto, Wagner Brito recorda que, em 2016, a fila de espera para transplante de tecido ocular foi zerada no Ceará.
Quando não há pacientes na fila de espera, os órgãos captados são destinados a outros estados do País. De acordo com a Organização de Procura de Órgãos (OPO), a córnea, por exemplo, consegue ser preservada por 14 dias. Neste período, caso não haja demanda no Ceará, os órgãos são direcionados a outros centros. “O Rio de Janeiro é o estado que mais recebe órgãos da gente. Ao todo, os órgãos captados aqui no Ceará são destinados para 17 estados brasileiros”, explica Brito.
Em relação a outros órgãos, os números são mais robustos. No início do ano, existiam 816 pessoas à espera de rim, no Estado. Três meses depois, esse número caiu para 745. Já a fila de espera total, isto é, levando em consideração córneas, esclera e órgãos múltiplos, era de 939 pacientes, até março de 2019. Os dados foram divulgados pela Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO). Os números referentes ao segundo trimestre deste ano ainda não foram divulgados.
Transplante: O transplante de órgãos é um procedimento cirúrgico que consiste na reposição de um órgão ou tecido de uma pessoa doente (receptor) por outro órgão ou tecido normal de um doador, vivo ou morto.
Doador morto: Uma pessoa com morte encefálica constatada, isto é, com a perda completa e irreversível das funções encefálicas (cerebrais), pode ter seus órgãos doados.
Doador vivo: A pessoa maior de idade e capaz juridicamente pode doar órgãos a seus familiares. No caso de doador vivo não aparentado, é exigida autorização judicial prévia Após a doação, o corpo não fica deformado. A retirada dos órgãos é uma cirurgia como qualquer outra realizada com todos os cuidados de reconstituição, o que também é obrigatório por lei.
Por André Costa
Fonte: Diário do Nordeste