A nova variante do coronavírus de Manaus, identificada primeiro pelas autoridades de saúde no Japão, já é prevalente na capital do Amazonas e também foi observada no interior do estado, aponta estudo da Fiocruz Amazônia em parceira com a Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas e o Lacen (Laboratório Central de Saúde Pública) do estado.
As instituições vêm acompanhando essa e outras variantes do coronavírus Sars-CoV-2 no país desde março do ano passado.
Uma nova linhagem do Sars-CoV-2 no país, a B.1.1.28, já tinha sido identificada por pesquisadores da Fiocruz do Rio de Janeiro em dezembro último, ao mesmo tempo em que houve a confirmação de um caso de reinfecção do coronavírus com ela.
A variante de Manaus evoluiu regionalmente a partir dessa linhagem e agora carrega o nome de P.1. e virou uma linhagem própria, a B.1.1.28.1. De diferente ela possui dez mutações no gene que codifica a proteína S (de “spike” ou espícula, o gancho molecular usado pelo coronavírus para se conectar às células humanas), três delas na chamada região de ligação com receptor —algo preocupante porque ela está diretamente associada à entrada do vírus nas células.
De acordo com Felipe Naveca, pesquisador em saúde pública da Fiocruz e responsável pelo sequenciamento e pela identificação da variante, que ocorreu apenas três dias após o governo japonês identificá-la em quatro viajantes que visitaram a Amazônia, a cepa de Manaus já parece ser a mais frequente na região.
“Isso preocupa porque a P.1. tem dez mutações na proteína S, e três delas são as mesmas observadas nas variantes de fora do país, que podem estar relacionadas a maior transmissibilidade e maior letalidade”, diz.
Ainda é cedo para afirmar que a variante é mais letal, embora alguns médicos tenham feito relatos informais de que esta variante pode estar causando a hospitalização e quadro severo de maneira muito mais rápida do que o vírus antigo.
Tendo como base as variantes do Reino Unido e da África do Sul (apelidadas de Nelly e Erick), é possível que a de Manaus seja tão preocupante quanto essas foram em seus países de descoberta.
Recentemente, pesquisadores da Inglaterra sugeriram que a variante do Reino Unido é 30% mais letal do que a linhagem circulante do vírus até novembro de 2020.
“Mas eles estão conduzindo estudos com a nova variante há quase dois meses já, por isso conseguiram chegar a esses resultados. Nós estamos ainda no 15˚ dia após o descobrimento da variante de Manaus. Ainda é muito incerto para chegar a essas conclusões”, diz Naveca.
Um ponto, porém, é muito relevante: as três variantes evoluíram de forma independente, sem relação de parentesco entre elas. “Para ter surgido em três lugares distintos com as mesmas mutações é porque alguma vantagem para o vírus essas mutações estão trazendo.”
O conceito de convergência, que é quando a mesma característica aparece em grupos não relacionados entre si, é capaz de tirar o sono dos estudiosos da biologia evolutiva. As mutações são, na maioria das vezes, aleatórias, mas as pressões ambientais que fazem com que algumas mutações persistam na população, nesse caso, são as mesmas: a alta circulação do vírus devido ao número muito elevado de casos.
Existem algumas hipóteses do que levou o vírus a dar esses saltos evolutivos, mas em todos os casos o antecedente foi a circulação em massa. “A variante é autoalimentada na medida em que ela se torna a mais transmissível porque existem mais casos de contaminação, e ela se torna mais frequente por ter essas vantagens de entrada nas células. É um ciclo.”
Por isso, é preciso um alerta especial por parte das autoridades de saúde e vigilância epidemiológica no país. No resto do mundo, o surgimento de novas variantes foi seguido por uma intensa vigilância e pelo monitoramento de novos casos para tentar traçar as rotas de viagem do vírus e conter a sua disseminação.
No Brasil, embora haja um forte indício de que a nova variante possa estar relacionada à escalada de casos em Manaus, que levou a um recente colapso do sistema de saúde regional, não foram tomadas medidas de lockdown e contenção do vírus na cidade a tempo.
Embora o Ministério da Saúde tenha sido notificado sobre o caso de reinfecção com a nova variante e emitido uma nota, os outros estados devem seguir uma vigilância contínua para poder monitorar se essa variante já se espalhou pelo país, explica o virologista.
Outra questão diz respeito à imunização. Embora a campanha de vacinação no país tenha completado uma semana nesta segunda-feira (25), ainda será um longo caminho até a imunização de grande parte da população. “É um momento crítico para [a população] não baixar a guarda achando que, só porque a vacinação começou, as pessoas já estão protegidas”, diz.
Diferentemente do Reino Unido, que já realizou mais de 800 mil sequenciamentos do vírus desde o início da pandemia, no país os Lacens e os institutos ligados à Fiocruz, além de outras instituições de pesquisa, têm feito o sequenciamento e o monitoramento das variantes aqui presentes, mas a escassez de amostras válidas e dificuldades como falta de investimento em pesquisa e falta de insumos são um entrave.
Assim como descobrir se a variante é mais contagiosa depende de um monitoramento dos casos e do sequenciamento das amostras, respostas para perguntas sobre sua letalidade ou associação a casos mais graves só vêm com incentivo à ciência e com vontade, por parte do governo, de construir um sistema de vigilância genômica e tomar as medidas cabíveis quando uma nova linhagem é identificada.
“Isso só comprova o que a gente vem falando há muito tempo. A gente precisa de mais investimento em pesquisa para conseguir detectar [as novas linhagens] o mais rápido possível. Mesmo a Inglaterra, com todo o esforço de sequenciamento, não conseguiu impedir a disseminação da variante em todo o país. Penso que ela tem uma vantagem adaptativa e isso é importante de monitorar”, diz.
Fonte: Folhapress