A descoberta de uma nova espécie de dinossauro por pesquisadores estrangeiros, a mais antiga já encontrada na Bacia do Araripe, no Sul do Ceará, o Ubirajara jabutus, que viveu cerca de 110 a 115 milhões de anos, causou polêmica. A saída do fóssil do Brasil foi questionada pela comunidade científica brasileira, que aponta para uma possível exportação ilegal. Uma autorização, apresentada pelo museu alemão, onde a peça se encontra, não descreve o material coletado. O Ministério Público Federal (MPF) pediu esclarecimentos junto à Agência Nacional de Mineração (ANM).
Segundo o artigo publicado pelo grupo, formado por dois pesquisadores ingleses, dois alemães e um mexicano, o fóssil foi encontrado em uma pedreira entre os municípios de Nova Olinda e Santana do Cariri, na Formação Crato, e levado para a Alemanha em 1995, após receber autorização do escritório regional do antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) – atual Agência Nacional de Mineração (ANM) – no dia 1º de fevereiro do mesmo ano.
No último dia 15, quando a descoberta do Ubijara jabutus era divulgada no país, cientistas brasileiros começaram a questionar a autorização citada pelos pesquisadores no artigo, pois, fere a legislação brasileira. No Twitter, por meio da hashtag #UbirajaraBelongsToBR (#UbirajaraPertenceAoBR), já era um dos assuntos mais comentados no País.
Em reportagem publicada na Revista Galileu, no último dia 16, o paleontólogo Eberhard Frey, diretor do Museu Estadual de História Natural de Karlsruhe, na Alemanha, e coautor da pesquisa, apresentou documento emitido pelo então servidor do DNPM, José Betimar Filgueira, que concede a ele autorização para transportar “duas caixas contendo amostras calcárias com fósseis, sem nenhum valor comercial, com objetivo precípuo de proceder com estudos paleontológicos”, diz o documento. “Ele foi a pessoa-chave que apoiou nosso trabalho e concedeu todas as licenças para isso”, completou Frey, descrevendo Betimar.
Legislação
A reportagem localizou José Betimar Filgueira, hoje servidor aposentado, que confirmou que emitiu e assinou a autorização. No entanto, ressaltou que ela era válida apenas junto ao DNPM. “Eles precisavam também da autorização do Ministério das Ciências e Tecnologia (MCT), coisas que eles não obtiveram ou porque não sabiam ou porque não foram atrás”, conta.
De fato, uma Portaria do MCT nº 55, de 14 de março de 1990, determina que materiais e dados científicos do Brasil só podem ser estudados fora do país com algumas condições, dentre elas, o intermédio de uma instituição técnico-científica brasileira, a participação de ao menos um cientista brasileiro na pesquisa e a devolução do material. O texto diz ainda que o Ministério reterá, do material coletado, os holótipos – peças que servem de base para a descrição da espécie, que é o caso dos objetos em solo alemão.
Questionamentos
O servidor aposentado foi além. “Fiz a vistoria do material contido nas duas caixas e posso assegurar que não havia fóssil de dinossauro, apenas fósseis comuns do nosso dia a dia. Se houvesse fóssil incomum eu não teria dado a autorização”, garante. A partir disso, Betimar supõe que este fóssil deve ter sido colocado nas caixas posteriormente a autorização ou, ainda, pode ter saído da região anos depois, utilizando-se do documento emitido por ele para dar alguma legalidade. “As caixas não foram lacradas, apenas fechadas, pois não havia lacre na época no escritório”, lembra.
Uma semana após emitir a documentação, Betimar conta que, coincidentemente, junto com a Polícia Federal, tentou prender o contrabandista alemão Michael Schwickert, que conseguiu fugir, levando do Cariri, num caminhão, um material para São Paulo. “Tenho relatório sobre isso”, atesta. Shwickert já foi indiciado quatro vezes por tráfico de fósseis no Brasil. “Só não posso garantir que a peça recentemente estudada e em questão tenha saído naquela oportunidade, mas nas caixas que eu autorizei levar não estava, isso posso afirmar”, completa.
O Ministério Público Federal (MPF), através da Procuradoria de Juazeiro do Norte, instaurou procedimento para investigar a saída do material do país e enviou ofício à ANM, questionando a autorização. “Se realmente existe a validação técnica junto à Universidade Regional do Cariri (Urca)”, explica o procurador da República, Rafael Rayol. O órgão tem 10 dias para respondê-lo.
Caso seja comprovada a ilegalidade, o MPF vai entrar com ação na justiça alemã pedindo o retorno do material, como já fez em outras ocasiões. Hoje, há outros procedimentos em fase final para resgate de peças na Alemanha e França, mas que estavam na posse de particulares. “São trâmites demorados. Bem burocrático e depende da jurisdição. Normalmente, por estar em um museu público, não facilita. Temos outros em museus, no Japão e Itália, mais complicados, mas a gente está na expectativa positiva”.
O paleontólogo da Urca, Álamo Feitosa, identificou outros sete holótipos de espécies da Bacia do Araripe, também depositados no Museu Estadual de História Natural de Karlsruhe, na Alemanha. “Fica uma coisa muito nebulosa. Este fato é muito grave. Estes fósseis foram retirados junto com o dinossauro? Estou triste e curioso para saber como se deu a saída deste fóssil”, pontua.
Nossa equipe de reportagem questionou, por e-mail, o Museu Estadual de História Natural de Karlsruhe, na Alemanha, sobre a saída destes outros materiais identificados pelo paleontólogo. Além disso, foi perguntado se há intenção de devolver ao Brasil o fóssil do Ubirajara jabutus. Porém, não tivemos retorno até a publicação desta matéria. Também abordamos, há mais de uma semana, a Agência Nacional de Mineração sobre a legalidade desta autorização e se alguma medida está sendo tomada para reaver estas peças, também sem sucesso.
Por Antonio Rodrigues
Fonte: Diário do Nordeste