Em plenário, os parlamentares incluíram a possibilidade de repasse do fundo para escolas privadas sem fins lucrativos, como as confessionais (ligadas a igrejas) nos ensinos médio e fundamental, em até 10% do total de vagas ofertadas (veja mais abaixo). A mudança segue uma demanda do governo.
Outra mudança polêmica permite o pagamento de profissionais que trabalhem nas instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas – privadas e sem fins lucrativos – com a parte dos recursos destinada originalmente ao salário de profissionais da educação.
Além de professores, os recursos podem ser usados para pagar profissionais das áreas técnicas, administrativas e os multiprofissionais (psicólogos e assistentes sociais), inclusive os terceirizados (veja mais abaixo).
Promulgado em agosto pelo Congresso Nacional, o novo Fundeb entrará em vigor em janeiro de forma permanente. Antes, o fundo tinha prazo de validade e acabaria agora em dezembro.
A alteração aprovada na Constituição também ampliou os repasses federais. Hoje, essa complementação da União é de 10% sobre o montante reunido por governos estaduais e prefeituras – o percentual deve chegar a 23% em 2026.
No entanto, ainda faltava um projeto definindo as regras detalhando a operacionalização e a distribuição dos recursos a estados e municípios.
Segundo nota técnica do movimento Todos pela Educação, a regulamentação ainda neste ano é “imprescindível”. Cálculos da entidade, apontam que, sem isso, cerca de 1,5 mil municípios mais pobres correm o risco de ficar sem R$ 3 bilhões adicionais advindos da nova modelagem do Fundeb, considerando apenas o ano de 2021.
Pelo texto aprovado na Câmara, ainda não é possível saber quanto cada estado e município receberá. Alguns indicadores serão definidos pelos parlamentares no próximo ano e outras normas devem ser estabelecidas por meio de decretos e portarias do Executivo.
Uma alteração aprovada em plenário também determina que o poder público estabeleça, em lei específica, até o dia 31 de dezembro de 2021, o piso salarial dos professores da educação básica pública.
Instituições privadas
Um dos pontos que geraram mais discussão em plenário foi uma emenda que permitia o repasse de recursos do Fundeb para instituições privadas sem fins lucrativos que atuem na educação básica, como as filantrópicas e confessionais (ligadas a igrejas). O texto original de Rigoni previa o repasse apenas para a educação infantil (creche e pré-escola), no campo e especial.
A emenda tinha sido apresentada por deputados de PSL, PP, PSD e PTB, incluindo o líder do Centrão, deputado Arthur Lira (PP-AL), aliado do presidente Jair Bolsonaro. Havia uma pressão do governo para que essas instituições, sobretudo as ligadas a igrejas, recebessem recursos do fundo.
Diante da resistência à emenda, considerada muito ampla, costurou-se um acordo no plenário para derrubá-la. No lugar dela, os deputados aprovaram outra emenda que permite a destinação de recursos para os ensinos fundamental e médio regulares em instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas, mas até um limite de 10% do total de vagas ofertadas.
A emenda aprovada, porém, foi criticada por especialistas em educação. O argumento é que a Constituição permite o repasse de recursos federais para escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas quando há falta de vagas no ensino médio e fundamental público, o que acontece atualmente.
“Hoje, não faltam matrículas públicas no ensino fundamental e médio. O que falta é recurso para essas escolas”, diz Daniel Cara, dirigente da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação e professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).
“Quando você aumenta o número de escolas que podem ser beneficiadas pelo recurso público, que já é pouco, você está prejudicando ainda mais as escolas públicas”, acrescenta.
O especialista em educação alerta, ainda, para o fato de que a mudança permite que os recursos sejam destinados a escolas confessionais, muitas administradas por ordens religiosas “extremamente ricas”.
“Sendo que já teriam condição de fazer suas atividades filantrópicas sem o apoio do Estado”, disse.
Os deputados também autorizaram o repasse federal a instituições privadas sem fins lucrativos no contraturno, como complementação da jornada escolar de estudantes matriculados na rede pública.
Outro destaque aprovado permite o repasse para as instituições do Sistema S, o que também foi criticado por deputados da oposição.
“Votar para [dar] recursos públicos para o ensino privado é privatizar o ensino profissional do brasil”, disse a professora Rosa Neide (PT-MT). “Hoje estamos destruindo a escola pública brasileira, estamos colocando os recursos do Fundeb para a iniciativa privada. Estamos retrocedendo a antes da constituição de 1988.”
A deputada Luísa Canziani (PTB-PR), autora da emenda, diz que a mudança dará “efetiva implementação da reforma do ensino médio”.
“Torna-se imprescindível prever fontes de recursos que garantam a oferta dos itinerários de formação técnica e profissional, por meio de trajetórias de formação profissional que garantam a inserção qualificada de jovens no mundo laboral”, disse.
Pagamento de profissionais de particulares
Uma das mudanças mais polêmicas feitas em plenário permite que os recursos usados para o pagamento de salários de profissionais de educação possa ser usado, também, para pagar profissionais nas instituições privadas sem fins lucrativos, como as filantrópicas e confessionais. A aprovação foi apertada, de 212 votos a 205.
Além disso, permite que o dinheiro público seja usado para pagar profissionais de outras áreas, como técnicas, administrativas e os terceirizados, além de integrantes de equipes multiprofissionais, que trabalhem nas redes de ensino básico.
A emenda constitucional que estabeleceu o novo Fundeb determinou que, pelo menos, 70% do Fundeb seja usado para o pagamento de salários de profissionais da educação. Rigoni já havia incluído no seu relatório original os psicólogos e os profissionais de serviço social.
Segundo parlamentares da oposição, críticos à emenda, a mudança vai “destruir o piso salarial dos professores”.
“Vamos deixar os professores passando o Natal e ano novo entendendo que 2020 foi um ano trágico além da pandemia, que nós fizemos uma pandemia na educação”, Rosa Neide (PT-MT). “Nós destruímos o financiamento e agora a carreira dos profissionais.”
Ao orientar pelo governo, o deputado capitão Alberto Neto (Republicanos-AM) defendeu a alteração, mas disse que ela “excede em alguns profissionais terceirizados e na área de filantropia”. Segundo ele, porém, o governo se compromete em corrigir o excesso no Senado.
A proposta
O relator da matéria, deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), apresentou a versão final do seu parecer nesta quinta-feira, com a sessão já em andamento no plenário, após acolher demandas de diferentes partidos.
A versão anterior, de dois dias antes, tinha sido alvo de críticas de deputados da oposição por considerarem que o texto introduzia conceitos de meritocracia na aprendizagem. O argumento deles é que, além de uma cobrança sem resultados eficientes, não é possível cobrar meritocracia sem igualdade de ensino.
Um dos pontos retomados por Rigoni foi a inclusão do Custo Aluno-Qualidade (CAQ), previsto na emenda constitucional aprovada pelo Congresso.
O CAQ é um parâmetro de financiamento educacional previsto no Plano Nacional de Educação (PNE) que define qual deve ser o investimento por aluno para garantir a qualidade na educação.
Rigoni manteve, em seu relatório, a previsão estabelecida na emenda constitucional aprovada no Congresso que determina a divisão da complementação da União da seguinte forma:
• 10 pontos percentuais seguirão as regras atuais de distribuição, para os estados mais pobres que recebem o complemento da União para atingirem o padrão mínimo.
• 10,5 pontos percentuais serão distribuídos para redes públicas de ensino municipal, estadual ou distrital que não atingirem o valor anual total por aluno (VAAT), parâmetro de distribuição criado com base na capacidade de financiamento das redes de ensino.
• 2,5 pontos percentuais complementação com base no valor anual por aluno (VAAR), que serão distribuídos de acordo com o cumprimento de condicionalidades e evolução dos indicadores, a serem definidos, de atendimento e melhoria da aprendizagem com redução das desigualdades.
Parte da complementação da União (2,5 pontos percentuais) deve seguir alguns critérios, como:
• parâmetros técnicos de mérito e desempenho para o provimento do cargo de gestor escolar;
• participação de pelo menos 80% dos estudantes em avaliações da educação básica;
• redução de desigualdades socioeconômicas e raciais na educação, medidas em exames de avaliação.
Para o professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) Daniel Cara, que participou das negociações do parecer, o texto “ainda tem problemas”, mas avançou em alguns pontos.
“A gente considera que o relator fez um esforço graças à pressão da sociedade civil de melhorar o texto”, disse.
Fonte: G1