Uma “garganta aberta” com 109 metros de altura em relação ao espelho d’água, constituindo uma das paisagens mais bonitas do Cariri. O Cânion do Rio Salgado ou Boqueirão, em Lavras da Mangabeira, na região do Cariri, tem despertado, nos últimos anos, a curiosidade de amantes do turismo de aventura e atraído visitantes.
Apesar da beleza, no entanto, o local ainda é pouco conhecido no Sul do Estado, se comparado às riquezas naturais que compõem os territórios dentro da Chapada do Araripe. O Boqueirão, como o Cânion é conhecido, surgiu pela abertura de uma única rocha, a partir de uma falha geológica, explica o geólogo Yarley Brito, sem estimar uma data, mas garantindo que foi “há milhões de anos”.
“Essa ruptura, com o tempo, se transforma no rio por estar numa cota mais baixa em altitude. No Nordeste, muitos rios surgem de fraturas e falhas. Ao longo dos anos foi rompendo e ficou o morro”, descreve o especialista. Esta ruptura formou uma parede rente ao leito do rio de quase 44 metros de largura e poço permanente.
Diversidade
Biólogo, o professor da Universidade Regional do Cariri (Urca), João Calixto, realizou em 2007, um levantamento florístico e fitossociológico na serra do Boqueirão e registrou 1.358 indivíduos pertencentes a 20 famílias, 34 gêneros e 56 espécies. A partir deste estudo, observou que há fragmento de vegetação do bioma Cerrado. “Eventos geológicos que aconteceram há milhões de anos, fez com que fosse perdendo espaço para uma vegetação mais rala e deixando apenas mancha, numa elevação. Mas temos espécies que só se encontra em Brasília, por exemplo. São os chamados refúgios vegetais”, detalha.
Histórico
O pesquisador ressalta que além da beleza cênica e paisagística, o local também é parte da história cearense, pois, já era observada pela Comissão Científica, liderada por Francisco Freire Alemão, a pedido do Império, que percorreu o Ceará na segunda metade do século XIX. A expedição já registrava uma gruta dentro desta parede do Boqueirão, que também abriga o imaginário popular. “As pessoas diziam que lá abrigava uma mesa em ouro com um carneiro de ouro”, descreve o imaginário popular. Nesta gruta também há espécies de morcegos raros, acrescenta Calixto.
Mesmo com toda essa riqueza natural e histórica, foi apenas neste ano de 2020 que cresceu os primeiros roteiros turísticos ao Cânion do Rio Salgado, organizado por empresas especializadas que, até então, focavam no território do Geopark Araripe – Barbalha, Crato, Juazeiro do Norte, Missão Velha, Santana do Cariri e Nova Olinda.
O empresário Joarês José das Neves, que trabalha há cinco anos com ecoturismo, foi um dos que apostou em Lavras da Mangabeira e teve muito sucesso. “A rota para lá foi (criada) só agora, depois que a pandemia reduziu na região. Como a proposta era levar grupo menores, resolvemos explorar outros territórios e viver uma experiência neste ambiente, mantendo o distanciamento social e voltar se divertir”, conta.
Em cinco domingos consecutivos, Joarês conseguiu preencher as 20 vagas com roteiro de Crato e Juazeiro do Norte até Lavras da Mangabeira e só parou de realizar, por enquanto, porque já haviam pacotes para outros locais previstos. “Mas as pessoas continuam nos procurando”, garante. Em um grupo somado de 100 pessoas, ninguém conhecia o Boqueirão. “E todos adoraram”, reforça.
Além das belezas naturais, o empresário oferece combos atrativos a descida de rapel, em torno de 77 metros de altura, e o passeio de caiaque para conhecer de perto os paredões que formam o Boqueirão. Cada um com equipamentos individuais, como medida de segurança contra o coronavírus. “Estamos estudando uma tirolesa”, antecipa. O pacote de viagem gira em torno de R$ 99 a R$ 120.
Estrutura
Como área de propriedade privada, Joarês queixa-se da estrutura no local, que impede de receber melhor os visitantes, sem acesso a banheiros e restaurante.
“Falta melhor condições de receber (os turistas). Mas a parte da natureza já tem atraído”, pontua.
O biólogo João Calixto comenta que há pelo menos duas décadas se discute a criação de uma Unidade de Conservação (UC) ali, mas pouco avançou. “Barrou por questões políticas”, justifica, sem dar mais detalhes.
A Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente de Lavras da Mangabeira reconhece que a criação de uma UC esbarra no fato de a área ser de propriedade privada, mas enfatizou que realiza ações no local, como plantação de mudas e mutirões de limpeza com técnicos da pasta e estudantes da rede municipal de ensino.
Riqueza natural carece de cuidados
O Parque tem a proposta de preservar ecossistemas naturais, proteger a fauna e flora e ainda é um local de pesquisa científica
Criado por lei em 2005, o Parque Ecológico Municipal Boqueirão, em Campos Sales, é responsável por preservar ecossistemas naturais, proteger a fauna e flora silvestre, ser um local de pesquisa científica e ecoturismo. A 30 km da sede do Município, sua área total possui 180 hectares, evidenciando o bioma Caatinga e cavidades naturais como grutas e cavernas, formações rochosas que, no período mais chuvoso, se tornam quedas d’água e piscinas naturais.
A bióloga Marta Carvalho ressalta que, como a caatinga é um dos biomas mais degradados pelo homem, abaixo apenas da Mata Atlântica e do Cerrado, é pequeno o número de áreas protegidas, daí a importância do Boqueirão de Campos Sales. “Como clima semiárido, a vegetação possui poucas folhas, mas adaptadas para os períodos de seca. Quase todas as plantas encontradas no Boqueirão durante a estação seca perdem as folhas, podendo assim diminuir o processo de transpiração, evitando a perda da água armazenada por elas. Mas sempre que o período do inverno chega, com a ocorrência das chuvas, as folhas verdes e as flores voltam a brotar”.
Na sua fauna, atrai uma grande diversidade de aves, principalmente a Fluvicola nengeta, a popular lavandeira, que se alimenta de pequenos artrópodes que captura na lama das margens das poças. Moradores também relatam a presença de gatos- do-mato. “Proporciona um amplo espaço para observação e estudo da fauna e flora”, completa Carvalho.
Hoje, a bióloga acredita que o Parque se ressente de políticas públicas que atraiam mais visitantes e garantam a preservação.
“As visitas não possuem nenhum tipo de acompanhamento e a limpeza é realizada pelos próprios visitantes”. Ela acredita que a distância até o local o torna menos atrativo. “Na maioria das vezes, é visitado por excursões escolares, professores, universitários ou amantes de ambientes naturais”, descreve.
O secretário de Recursos Hídricos e Meio Ambiente de Campos Sales, Ezequiel Oliveira, admite que há poucas ações que estimulem as visitas. “Mas realizamos limpeza e, recentemente, melhoramos a estrada que dá acesso”. Porém, antecipa que tem um projeto para torná-lo um ponto turístico estadual, sem dar mais detalhes.
Por Antonio Rodrigues
Fonte: Diário do Nordeste