Desde 2007, quando retornou de São Paulo, a vendedora autônoma Lucineide Alves de Sena, 47 anos, enfrenta o sol quente, a pé, vendendo filhós (feito de goma de mandioca e frito no óleo) nas ruas de Iguatu, no Centro-Sul cearense. A iguaria é muito apreciada no sertão nordestino.
A vendedora chama a atenção dos moradores pelo tempo de trabalho e por usar peças do vestuário que combinam com o período que se vivencia. Agora, começou a usar um gorro e assume a personagem de mamãe noel. Ao longo do ano usa roupa de vaqueira, de agricultora e nas festas juninas sai de chapéu de couro e vestido com estampa quadriculada, no estilo caipira.
Nesse período de pandemia, Lucineide tem seguido as regras sanitárias, só trabalha de máscara e com as mãos higienizadas, mesmo assim as vendas caíram cerca de 40%.Segundo ela, “as pessoas ainda estão com medo, não querem que a gente se aproxime”.
Segundo o cálculo da vendedora, “antes da pandemia, vendia uns cem filhós por dia, agora caiu para sessenta”.
Quem é vendedor autônomo tem de ter coragem e disposição, pois é a partir do trabalho que consegue o ganho para viver. “Se não trabalhar, não ganho, e como vou comer, viver?”, relata. “Graças a Deus, criei duas filhas, agora estou criando um netinho de seis anos, tenho saúde e vontade de trabalhar”.
Estação
Lucineide Alves de Sena tem uma história de vida de luta. Começou a trabalhar cedo e perdeu parte da infância, sem estudo e com pouco tempo para brincadeiras.
Era preciso ajudar a mãe, Aurineide, que fazia e vendia tapioca, peixe frito, café, chá, bolo, água, pastel, filhós, na estação de trem. “Comecei trabalhar aos oito anos vendendo para os passageiros do trem que fazia a linha Fortaleza para Juazeiro (do Norte)”, contou. “Era um tempo bom, vendia bem, e trabalhava em um só lugar, mas hoje tenho de andar muito e vendo pouco”.
O trem passava diariamente em Iguatu às 7 horas e às 19 horas. Dos tempos de criança e adolescente na estação ferroviária ficaram boas lembranças. “A gente vendia água fria, em quartinha de barro e em copo de alumínio”. A água era servida no mesmo copo para várias pessoas. “Não tinha doença, como agora”, comparou.
No período de 1997 a 2007, Lucineide Sena foi morar e trabalhar em São Paulo como empregada doméstica, faxineira e vendedora de lanches. Fez economias, retornou a Iguatu, comprou uma casa e decidiu vender a iguaria. “Sou a mulher dos filhós”, frisou. “Aprendi com minha mãe”.
Tradição e paixão
E qual o segredo para conseguir manter as vendas diárias? “É tratar bem os clientes e agradecer a Deus”, ensina. Separada, tem duas filhas casadas. No ano passado, uma das filhas ficou viúva e a avó passou a criar o neto de seis anos de idade, que às vezes a acompanha nas vendas, pelas ruas da cidade.
E o que Lucineide Sena diz da vida? “Dou graças a Deus por estar viva e agradeço por ter vencido, criado minhas filhas”. E até quando, quer continuar trabalhando? A resposta vem na ponta da língua: “Quero continuar vendendo filhós até morrer”.
Por Honório Barbosa
Fonte: Diário do Nordeste