Magro, cabelo embolado como a vida, sem muita força comparado a dimensão do mundo, com poder reduzido e sem castelo, só podia querer ser outra pessoa mesmo. A gente aprende a querer ser outra pessoa, a todo tempo tem algo industrializando o nosso pensamento. A estética nos persegue. A menina preta e de cabelo crespo é ensinada a querer ser branca e de cabelo liso, uma espécie de protótipo da Barbie, a boneca carregada da ditatura de um padrão estético.
Os meninos querem ser fortes e conquistadores. Matar com as próprias mãos é um símbolo de grandeza, assim nos ensina os filmes de super-heróis em que as crianças desejam ser.
Tem coisas que gente passa anos para entender. Quando criança assistia He-Man, desenho animado do homem mais poderoso do universo. He-Man era forte, tinha forças sobre-humanas, branco, cabelo liso e de pastinha. Houve um tempo em que usar franja era moda masculina, era um príncipe com castelo, boniteza e tudo. Tudo que eu não era.
Queria mesmo era ser He-Man. Até tentei deixar o cabelo igualzinho ao dele, o que durou poucas horas, cabelo embolado como a vida não fica com franja.
Passei anos escutando “Corta esse cabelo, cabelo feio”. Mas era o cabelo que tinha, ele nasceu feio ou me ensinaram que era feio? Só sei que não era de He-Man
Quando criança o cabelo não passava de dois dedos para não apresentar os beiços embolados.
Mas um dia He-Man morreu para que eu pudesse viver. Continuo com o cabelo embolado como a vida, sem muita força comparado a dimensão do mundo, com poder reduzido e sem castelo. Ando por aí desfazendo franjas e deixando o cabelo dançar e se contorcer como ele é.
Por Alexandre Lucas. Pedagogo, integrante do Coletivo Camaradas e presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais do Crato/CE
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri