Redes sociais, sites de financiamento coletivo e outras plataformas são cada vez mais importantes em candidaturas eleitorais —e o presidente, Jair Bolsonaro, é a prova viva desses novos tempos. Neste ano, quais são os limites para um político, seu partido e seus apoiadores usarem e abusarem do WhatsApp, que em 2018 se mostrou o grande vilão das eleições presidenciais com o excesso de fake news disseminadas?
Desde 2017 uma alteração na lei federal 9.504/1997 e a resolução 23.610 do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) regulam a propaganda na internet. Mas essa será a primeira vez que candidatos a prefeitos e vereadores deverão segui-las à risca. Ela passou a incluir orientações sobre registros de páginas, compartilhamentos, impulsionamentos e até mesmo um tipo de “boca de urna” feita pelas redes sociais.
Fique ligado no que candidatos a prefeito e vereador podem ou não fazer no WhatsApp para atrair os eleitores, e saiba como denunciar irregularidades.
“Santinho” digital só com consentimento
Recebeu propaganda política no WhatsApp sem autorizar o candidato ou partido? Você pode fazer uma reclamação para cancelar os próximos envios. Os candidatos devem manter formas de solicitar o cancelamento e o envio deve cessar em até 48 horas, sob pena de multa de R$ 100 por cada mensagem enviada.
Diogo Rais, advogado membro da Abradep (Academia de Direito Eleitoral e Político) e especialista no tema, lembra que a própria tecnologia permite bloquear spam eleitoral. “Acho esse dispositivo importante, mas creio que ele ainda não foi usado. É mais fácil o eleitor colocar o email no spam, e o WhatsApp também permite o bloqueio de mensagens vindas de um número específico. Não é necessário nem esse prazo de 48 horas para isso”, opina.
A lei permite que envio de mensagens por aplicativos, mas só para os contatos já cadastrados na lista do candidato ou do próprio partido. Eles também são responsáveis pelo envio de mensagens —ou seja, robôs nem pensar. A venda de cadastro de endereços eletrônicos também está proibida. A contratação desse tipo de serviço pode gerar uma multa que varia de R$ 15 mil a R$ 50 mil.
“Existem empresas fazendo propaganda e dizendo: ‘olha, disparo um milhão de mensagens para WhatsApp por dia’. Isso é proibido, não se pode contratar uma empresa para esse tipo de envio”
Alberto Rollo, professor de direito eleitoral da Universidade Presbiteriana Mackenzie
O WhatsApp afirmou a Tilt que “não tolera o disparo de mensagens em massa em sua plataforma”. Segundo a plataforma, há “sistemas automatizados para identificar esse tipo de comportamento” e que cerca de 2 milhões de contas são banidas no mundo todos os meses.
A empresa afirmou ainda que tem monitorado e solicitado a retirada de milhares de anúncios online de empresas de disparos em massa, que estão sendo notificadas e processadas. Mas algumas delas burlam a lei e operam de forma escusa, como Tilt descobriu no caso da Sallapp e da Yacows.
Segundo o WhatsApp, em todas as ações ajuizadas até o momento, “há decisão judicial determinando que as empresas interrompam imediatamente a promoção, o oferecimento e a prestação desses serviços ilegais”.
O próprio eleitor pode denunciar ao TSE por meio de uma plataforma desenvolvida pelo WhatsApp se receberam alguma mensagem que fuja às regras. Tilt entrou em contato com o órgão para comentar as regras para a eleição municipal, mas a solicitação de entrevista não foi atendida.
Quem compartilha fake news é cúmplice de crime
Para o usuário, as regras não mudam muito. Você pode compartilhar qualquer mensagem de apoio ao seu candidato em conversa particular ou em grupos. Mas, claro, tomando cuidado para não enviar fake news.
“Você, como eleitor, pode fazer a propaganda eleitoral pelo WhatsApp do candidato que você quiser. Se olharmos a lei, veremos que ela permite o envio de mensagens eletrônicas. O eleitor está lá em um grupo de 50 pessoas, ele pode mandar, ‘vote no meu candidato, ele é o melhor’, isso sem problema nenhum”, diz Alberto Rollo.
O que não se pode fazer é compartilhar fake news e propaganda enganosa. Se o eleitor repassar conteúdo falso, é corresponsável pelo crime.
Em novembro do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei 13.834, que pune com dois a oito anos de prisão quem divulgar notícias falsas com finalidade eleitoral.
O WhatsApp está testando um recurso em parceria com o Google desde agosto deste ano, que permite aos usuários verificarem um conteúdo antes de enviá-lo. Dentro de uma conversa ou grupo no app, uma lupa substitui o botão encaminhar na mensagem. Ele permite copiar a mensagem no navegador de internet para buscar mais referências sobre o assunto. Os testes estão sendo realizados em sete países, incluindo o Brasil.
O TSE também lançou recentemente o Tira-Dúvidas Eleitoral, um assistente virtual no WhatsApp com informações sobre as eleições municipais de 2020. O bot oferece ainda o serviço “Fato ou Boato?” que checa informações e dá dicas de como identificar conteúdo enganoso. Para usar, ponha o telefone (61) 9637-1078 na sua lista de contatos, ou pelo link wa.me/556196371078.
Quem pode fazer propaganda?
A lei permite que apenas o candidato, o partido ou a coligação realizem propaganda na internet. Além disso, o site usado para a divulgação deve ser registrado pela Justiça Eleitoral. Se a notícia for mentirosa, a Justiça saberá quem punir porque a origem da informação estará na página comunicada.
Eleitores podem publicar conteúdos sobre seu candidato, mas a lei impede que eles criem ou impulsionem propagandas políticas por meio desses sites. Só é permitido compartilhar as que foram criadas oficialmente pelas campanhas.
Não podemos dizer o mesmo quanto a pessoas jurídicas. A lei impede a veiculação de propaganda eleitoral em sites de empresas ou entidades, independentemente de serem gratuitas. A multa varia de R$ 5 mil a R$ 30 mil.
Quem pode pagar para alcançar mais eleitores?
Outra regra importante está relacionada aos impulsionamentos, ou seja, o pagamento às plataformas para que determinado conteúdo alcance mais pessoas.
Se a publicação em uma rede social for de cunho eleitoral e estiver sendo impulsionada por um usuário que não seja o partido, a coligação ou o próprio candidato, pode ser crime passível de multa. Todo conteúdo impulsionado deve ter nota fiscal, que será apresentada à Justiça Eleitoral na prestação de contas como despesa de campanha.
Diogo Rais destaca que os impulsionamentos não podem ser realizados por pessoas jurídicas, já que elas não podem financiar campanhas. “Nas redes sociais, que as empresas atualmente passaram a ter páginas e perfis, o mesmo entendimento foi aplicado”, completa.
As plataformas contratadas para os impulsionamentos, como Google ou Facebook, devem, obrigatoriamente, ter sede e foro no Brasil.
Ataques a adversários são proibidos
A lei também considera crime eleitoral o marketing negativo, que é o disparo de mensagens em massa contra um adversário. O professor Alberto Rollo explica que esse comportamento é diferente de criticar um rival.
“Você pode falar, ‘não vou votar nesse prefeito porque deu muitas enchentes’, por exemplo. Somos cidadãos e temos direito a manifestação. O que a lei veda é o candidato ou cidadão contratar uma empresa para fazer serviço sujo, falar que fulano é ladrão, entre outras coisas”, afirma.
Além disso, a Lei 9.504/1997 afirma que “é livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral por meio da rede mundial de computadores”. Isso significa que ninguém poderá fazer propaganda política por meio de contas fake nas redes sociais como Facebook, Instagram ou Twitter.
Pode fazer boca de urna na internet?
Postagens sobre o candidato no dia da eleição, ou receber no WhatsApp vídeos de eleitores votando em determinado candidato, são considerados “boca de urna” segundo a Justiça. “Hoje a lei fala expressamente que no dia da eleição o candidato e qualquer pessoa envolvida em campanha devem congelar as redes sociais”, afirma Alberto Rollo.
Apesar da restrição para o dia da eleição, qualquer conteúdo pode ser publicado até às 23h59 do dia que antecede o pleito. Nada que foi publicado até esse horário precisa ser retirado do ar.
Rollo diz que a regra também vale para qualquer eleitor, mesmo que faça uma publicação “sem querer” ao promover um candidato no dia do pleito. “A lei não diz que constitui crime para o candidato, constitui crime para todo mundo”, encerra.
Fonte: UOL