Excesso de peso e desnutrição podem parecer conflitantes, mas são faces da mesma moeda e mostram os desafios para garantir uma alimentação saudável nos primeiros anos de vida. Em 2019, o Ceará teve um registro de 33.123 crianças, com até cinco anos, com obesidade, o que representa 10,27% – maior porcentual do País. Na outra ponta, 11.102 crianças da mesma faixa etária ficaram abaixo do peso (3,34%), segundo dados do Observatório da Criança e do Adolescente, da Fundação Abrinq.
Desde 2015, quando a pesquisa foi adaptada a indicadores nacionais, o Ceará figura no topo do ranking de crianças com menos de cinco anos com obesidade. A nutricionista materno-infantil Mayara Ximenes explica que o desequilíbrio alimentar nesta faixa etária tem consequências duradouras: “doenças crônicas como diabetes, hipertensão, gordura no fígado, aumento dos níveis de colesterol e triglicerídios, cáries, transtornos alimentares, ansiedade, deficiências nutricionais”, lista.
Origem do problema
As deficiências no cenário nutricional infantil começam, muitas vezes, na gestação e passam pela amamentação, explica Ximenes. “Às vezes a mãe não faz amamentação exclusiva, como orientado, e introduz alimentação precoce, estimulando o consumo de alimentos que não são para a faixa etária”, detalha.
“Quando há um excesso de produtos industrializados, ricos em gorduras, açúcares, sódio e pobres em fibras, vitaminas e minerais, diante de uma rotina familiar que não tem base de frutas e verduras, fica muito complicado”. A nutricionista atende pacientes tanto pela rede privada como pelo SUS e percebe que a questão financeira tem interferência neste processo.
Obesidade e renda
A relação entre deficiência alimentar e renda se traduz nos dados disponibilizados pela Abrinq. Dos cinco estados brasileiros com piores indicadores para a situação de subnutrição, quatro são do Nordeste (Alagoas, 5,53%; Bahia, 5,16%; Maranhão, 4,86%; e Pernambuco: 4,17%), que concentram, juntamente com a região Norte, a renda familiar per capita mais baixa do País, conforme o IBGE. Somente o Rio de Janeiro (4,45%), que ocupa a 4ª posição, não está no eixo regional.
O Ceará é o 13º no ranking, mas apresentou um aumento de 27% no número absoluto de crianças na situação entre 2018 (8.721) e 2019 (11.102).
Em relação ao quadro de obesidade, a situação é ainda pior. As cinco primeiras colocações são ocupadas por nordestinos (Ceará, 10,27%; Pernambuco, 9,65%; Rio Grande do Norte, 9,28%; Sergipe, 9,17%; e Alagoas, 8,48%).
A pesquisadora e professora de Economia da Universidade Federal do Ceará em Sobral, Lilian Lopes Ribeiro, explica que “famílias com maior privação de renda tendem a consumir produtos mais baratos, de baixa qualidade nutricional: produtos processados, com maior teor de gordura e de açúcar”, colaborando com o processo de obesidade.
Na outra ponta, quando olhamos para a subnutrição, o problema também tem relação com a renda familiar. “Existem diversos estudos que apontam para uma relação entre falta de saneamento básico e a desnutrição, ou anemias. A transmissão de doenças decorrentes da falta de água potável, por exemplo, compromete o aproveitamento nutricional dos alimentos”.
“Mas a principal questão econômica a influir é o nível de renda familiar. À medida que a renda aumenta, o que se espera é também uma tendência à ingestão de uma dieta alimentar mais variada e de melhor qualidade”, analisa.
Políticas públicas
Para a questão da obesidade, Ribeiro destaca que uma medida efetiva e que focaria nas crianças de classes sociais mais baixas “seria a aumentar o tempo das atividades físicas nas escolas públicas e garantir uma maior acessibilidade das famílias pobres a nutricionistas da rede pública”, explica.
Já quanto à desnutrição, uma medida importante, “que parece que já vem sendo implementada pelo Governo estadual, é a expansão de creches em tempo integral, quem além de permitir a criança acessar uma dieta alimentar mais adequada no aspecto nutricional, tende a favorecer também o desenvolvimento do ponto de vista cognitivo”.
A percepção da especialista de investimento na Educação Infantil condiz com o observado no Anuário da Educação Básica 2020, que aponta que o Ceará tem 98,5% de crianças de três a cinco anos matriculadas – a maior taxa do País. O índice é 30 pontos percentuais superior ao do Amapá (67,8%), por exemplo, Estado com menor média para a faixa etária. Já para matrículas de zero a 3 anos, o índice é de 37,3%. Segundo a Secretaria da Educação (Seduc) do Ceará, 303.260 alunos de zero a cinco anos estão matriculados na rede pública cearense.
O cenário, no entanto, requer constante atenção. “O problema da desnutrição entre os mais pobres deve ser agravado ainda mais neste ano, com as crianças fora da escola em decorrência da pandemia e dada a maior vulnerabilidade econômica. O fechamento deixou as crianças sem acesso à merenda escolar”, destaca Ribeiro.
Ressalta que existem ações pontuais, como “distribuição do vale alimentação aos alunos da rede estadual”, para mitigar estes impactos, mas é preciso um planejamento duradouro de distribuição de renda. “São políticas indispensáveis para equalizar o problema porque têm efeitos de médio e longo prazo”.
A Secretaria da Saúde do Ceará diz em nota “que realiza, por meio de cooperação técnica, apoio às ações, programas e estratégias desenvolvidas pelos municípios relativos às questões de alimentação e nutrição”. Destaca que alguns programas, “como Crescer Saudável, Saúde na Escola, Estratégia Amamenta e Alimenta Brasil, além do acompanhamento das condicionalidades do Bolsa Família, fazem parte dos serviços”.
Por Rodrigo Rodrigues
Fonte: Diário do Nordeste