Veado catingueiro, papagaio, cutia, tatu peba e vários outros. A lista de animais vítimas da caça ou tráfico, no Estado do Ceará, é vasta e retrata uma realidade bastante presente. Mesmo com aumento no número de crimes ambientais durante a pandemia da Covid-19, conforme atestam ambientalistas, as apreensões e resgates de animais, entre os meses de janeiro e agosto deste ano, tiveram redução de 50% em comparação a igual período do ano passado.
Nos primeiros oito meses de 2020, foram 2.215 animais, ante 4.430 a igual intervalo do ano anterior. Já nos doze meses de 2019, foram 5.118 animais apreendidos ou resgatados (3.655 no 1º semestre e 1.463 no 2º), sendo geradas 208 ocorrências referentes a procedimentos que resultaram em Inquéritos Policiais, Termo Circunstanciados de Ocorrência ou Boletim de Ocorrência. Os dados são do Batalhão de Polícia do Meio Ambiente (BPMA).
O tenente coronel Fábio Lessandro, do BPMA, conta que “esses animais são fundamentais ao meio ambiente e a maioria é inofensivo, se tornando alvo de exploração”. Ele acrescenta que “a proteção desses animais deve ser priorizada para que a natureza complete seu ciclo com perfeição”, diz.
Regiões
O tenente Paulo Yrtonny, subcomandante da 2ª Companhia do Batalhão da Polícia Ambiental em Juazeiro do Norte, explica que as regiões que mais preocupam no Estado são as de Jaguaribe, Crateús, Inhamuns e Cariri. “Essas são as regiões que mais apresentam problemas com caça predatória, criação de animais silvestres e armas de fogo”. Para coibir a prática, “são desenvolvidas operações nessas localidades, que duram em média de cinco a 10 dias, onde a gente promove a educação ambiental como também a fiscalização na casa, através de denúncias ou trabalho de campo”, acrescenta Yrtonny.
A unidade de Juazeiro, que atende 71 municípios cearenses, apresentou cenário diferente do restante do Estado. Ao invés de queda nas apreensões, alta. Conforme dados repassados pelo 2º Batalhão, 210 animais foram apreendidos no primeiro semestre deste ano, aumento de 37% em relação a igual intervalo do ano passado (153 animais). Ao longo de 2019, 414 animais silvestres foram apreendidos no Batalhão de Juazeiro do Norte.
Vulnerabilidade
Daniel Fernandes, coordenador geral da Associação Caatinga (AC), avalia que a expansão da vulnerabilidade socioeconômica de algumas famílias do semiárido favoreceu o aumento da caça de animais silvestres para subsistência. Segundo ele, isso pode ter consequências severas na saúde pública da população. “É muito perigoso e não só do ponto de vista de perda da biodiversidade”. Ainda segundo Fernandes, os animais comumente consumidos, como galinhas e porcos, passam por um controle fitossanitário e por um tratamento adequado para impedir contaminações, diferente do que ocorre quando há caça predatória. “O animal silvestre não tem isso, quem faz esse consumo pode adquirir uma série de zoonoses”.
Segundo a Associação, mais de 180 doenças podem ser transmitidas para o homem pelo contato direto ou indireto com animais silvestres, como raiva (que pode ser transmitida por macacos ou raposas); leishmaniose (difundida por roedores) ou toxoplasmose (uma infecção que pode ser adquirida através de alimentos contaminados ou mal passados). Além dos inúmeros riscos à saúde, a prática é tipificada como crime ambiental, podendo gerar multa de até R$ 5 mil e até três anos de prisão.
Déficit na fiscalização
Com 6.285 hectares, a Reserva Natural Serra das Almas, gerenciada pela AC, tem cerca de 40 comunidades no entorno. A reserva está localizada nos municípios de Crateús, no Sertão cearense, e Buriti dos Montes, no Piauí. Segundo Fernandes, a maior parte das famílias da região é formada por trabalhadores autônomos, impactados financeiramente na pandemia. “As pessoas se viram numa realidade de vulnerabilidade socioeconômica extensa e, diante da necessidade, a caça acaba aumentando”.
Para agravar o quadro, a fiscalização diminuiu. Na Associação, o corpo de profissionais que realiza o monitoramento da área foi reduzido pela metade. “A reserva é uma ilha de conservação que atrai caçadores. Durante a pandemia, nós reduzimos o quadro de profissionais. Só três funcionários ficaram na reserva, quando normalmente temos o dobro disso”, revela.
Fernandes aponta que essa limitação dificulta a mensuração dos dados e que essa realidade não é exclusiva da Serra das Almas. Segundo ele, houve uma diminuição da fiscalização no Estado como um todo, “sobretudo dos órgãos federais (Ibama e ICMBio)”, o que “potencializa o incremento da caça e perda de biodiversidade”.
Apesar da diminuição da atividade para subsistência nos últimos meses, ele acredita que a “caça esportiva” é um gargalo que persiste.
Em nota, a Polícia Militar do Ceará (PMCE) informou que realiza o policiamento ambiental no Estado, através do BPMA, com três unidades divididas estrategicamente no Ceará – em Juazeiro do Norte, Sobral e Fortaleza. “As ações de proteção, prevenção e ostensividade que envolvam assuntos relacionados ao meio ambiente e sua preservação são, diuturnamente, fiscalizadas pelos policiais militares ambientais”. A maior parte das ocorrências são geradas por meio do telefone.
Os animais que são recolhidos podem ser encaminhados para criadouros autorizados ou unidades especializadas, como abrigos ou zoológicos. Além disso, em casos de resgates, os animais são devolvidos à natureza, em áreas próprias do seu habitat.
A reportagem tentou contato com o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), questionando o total de apreensões, se houve redução do efetivo nos primeiros meses do ano, e como está a situação hoje, mas não houve resposta até o fechamento.
Por Rodrigo Rodrigues
Fonte: Diário do Nordeste