O CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) decidiu ontem arquivar a representação feita pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, por causa do PowerPoint apresentado em 2016 para explicar a denúncia contra o petista no processo do tríplex de Guarujá (SP).
A maioria dos conselheiros entendeu que as punições que poderiam ser aplicadas já estavam prescritas. A prescrição é uma regra jurídica que impede punições após decorrido muito tempo desde o fato investigado.
O CNMP é formado por 14 conselheiros. Mas ontem apenas 10 participaram do julgamento. Desses, 8 votaram pelo arquivamento do caso por reconhecerem a prescrição. Outros 2 também concordavam que havia prescrição, mas rejeitaram o pedido de Lula com o argumento de que os fatos já tinham sido analisados pela Corregedoria do MPF e do próprio conselho.
Apesar do resultado final, os conselheiros reconheceram que existiriam elementos para instaurar um processo disciplinar contra Deltan e os procuradores da Lava Jato pelo episódio.
Em recado à Lava Jato, que realizou em um hotel a entrevista coletiva na qual o PowerPoint foi apresentado, os conselheiros do CNMP também decidiram fixar a determinação de que os membros do Ministério Público estão proibidos de utilizar equipamentos, instalações e recursos da entidade para fins políticos.
O relator do processo no CNMP, Marcelo Weitzel, também votou a favor do arquivamento mas com o argumento de que o caso do PowerPoint já foi analisado duas vezes, tanto pela Corregedoria do Ministério Público Federal e pela Corregedoria Nacional do CNMP e, em ambas, foi arquivado.
Para Weitzel, o CNMP não poderia voltar a analisar o caso e destacou que não houve recurso da defesa de Lula contra o arquivamento nas outras instâncias.
Apesar da decisão de hoje, a postura de Deltan na apresentação do PowerPoint foi criticada pelos conselheiros.
“E o PowerPoint em si gerou enorme polêmica, e esses elementos todos de informação indicam que durante a entrevista coletiva os membros do Ministério Público Federal exorbitaram do dever de informação e passaram a externar em forma de palestra sua convicção sobre os fatos que ainda estavam em investigação, como se já estivessem provados”, disse o conselheiro Sebastião Caixeta.
“E ademais, observa-se que o discurso envolve afirmações relacionadas a supostos crimes estranhos as atribuições da 13ª vara criminal de Curitiba, já que as condutas relacionadas ao ex-presidente Lula estavam, como o supostos envolvimento em investigação criminosa, sob investigação no STF nos autos do Inquérito 3989, portanto exorbitavam a esfera de atuação dos membros do MPF”, afirmou Caixeta.
O advogado Cristiano Zanin Martins, que representa o ex-presidente Lula, afirmou que reconhecer a prescrição antes mesmo da abertura do processo levaria à impunidade.
“Se houver essa prescrição ela deve ser reconhecida no procedimento adequado”, disse Zanin. “Agora, reconhecer a prescrição por antecipação para não investigar seria prestigiar a impunidade”, afirmou o advogado.
Outras 23 reclamações arquivadas
Além do caso julgado hoje, 23 reclamações contra Deltan já foram arquivadas pelo conselho. Há ainda no CNMP outros 20 processos contra o procurador em diferentes etapas de tramitação.
Deltan foi punido em novembro do ano passado com a pena de advertência, punição mais branda prevista contra procuradores. O CNMP aplicou a punição por causa de críticas de Deltan contra ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) feitas durante entrevista a uma rádio.
Entenda o caso
A representação sobre o PowerPoint passou quase quatro anos em tramitação no CNMP sem que fosse analisada ocorreu, em razão disso ocorreu a prescrição da possibilidade de aplicar punições mais brandas ao procurador. Hoje não seria mais possível aplicar as penas de advertência, censura ou suspensão.
Somente as penas de demissão ou cassação de aposentadoria ainda não estavam prescritas, prazo que se esgotaria no próximo dia 14 de setembro.
Mas os conselheiros entenderam que apenas as penas mais brandas, que já estão prescritas, poderiam ser aplicadas nesse caso e por isso não havia motivo para instaurar o processo.
O processo analisado hoje pelo CNMP foi um Pedido de Providências feito pela defesa de Lula e, por não ser um processo disciplinar, a aplicação de penas de forma imediata não estava em discussão. Os conselheiros, no entanto, debateram sobre se poderia ser instaurado um processo disciplinar nesse caso, hipótese que foi rejeitada.
A representação ao CNMP foi feita por Lula em setembro de 2016, logo após a força-tarefa da Lava Jato apresentar um PowerPoint durante entrevista coletiva para anunciar a denúncia contra Lula no caso do tríplex do Guarujá (SP).
O PowerPoint apresentado por Deltan tinha o nome do ex-presidente no centro e, em volta, várias implicações, como a de “governabilidade corrompida”, “propinocracia”, “maior beneficiado”, como forma de reforçar o argumento do MPF de que Lula tinha ciência e “comandou a formação de um esquema delituoso de desvio de recursos públicos” na Petrobras.
A defesa de Lula sustenta na representação ao CNMP que Deltan e os procuradores da Lava Jato atuaram com abuso de poder ao imputar ao presidente acusações que não eram objeto da denúncia feita no processo do tríplex, como a de que Lula seria o “comandante máximo” do esquema de desvios da Petrobras.
Posteriormente, o ex-presidente foi absolvido pela Justiça no processo que ficou conhecido como “quadrilhão do PT” e o acusava de chefiar uma organização criminosa.
Já no processo do tríplex, a que se referiu o PowerPoint, Lula foi condenado. Atualmente os recursos do ex-presidente nesse processo estão sendo analisados pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) e pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Fonte: UOL