“Pensei em desistir porque faltam quatro meses para o ano acabar e não tenho como recuperar esse conteúdo. Está muito complicado entender alguma coisa que os professores passam e eu tenho acesso um pouco limitado por ter só um celular”. Os obstáculos para o estudante Geovane Rodrigues Xavier,19 anos, que cursa a 3ª série do ensino médio em escola pública na periferia de Fortaleza, são inúmeros.
Casa lotada e sem estrutura para assistir às aulas, dificuldade de concentração, acesso restrito à internet e falta de estímulo. Geovane tenta persistir. Abandonar a escola, sabe ele, é um prejuízo. Mas, diante de tantas dificuldades, essa possibilidade não deixa de o rodear. O drama vivenciado agora pelo estudante é historicamente conhecido nas redes de ensino. A pandemia o acentua.
O abandono escolar é entrave real e complexo que, felizmente, nos últimos anos, vem sendo reduzido no Estado, mas diante da crise sanitária a situação requer que as estratégias para combater esse gargalo sejam redobradas. Nos dados sobre rendimento escolar disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) ainda não constam os índices de abandono em 2019.
Os de 2020 só ficarão disponíveis no próximo ano. Mas em 2018, no Ceará, a taxa total de abandono somando os alunos das escolas federais, estaduais e municipais, conforme o Inep, foi de 5,5%. Naquele ano, o total de matrículas foi 1.631.877. Já em 2017, esse índice era maior, com 7,1% dos alunos matriculados abandonando a escola. O total de matrículas em todas as redes em 2017 foi de 1.647.033, segundo o Inep.
Mas, a situação do estudante Geovane Rodrigues, não é isolada. Embora ainda não se tenha dados consolidados que evidenciem como está a situação atual Estado, instituições que atuam, há anos, no combate a este problema crônico na educação ponderam que são altos os riscos de acentuação do abandono das escolas este ano. Entidades como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) têm alertado sobre o assunto. Nesse cenário, Geovane divide a casa com outras cinco pessoas.
A mãe, doméstica, conta ele, trabalha para garantir o sustento dos cinco filhos. Desde criança, relata Geovane, a jornada extensa faz com que ele tenha que passar pelos processos educacionais de modo quase solitário. “Eu já repeti uma vez a 2ª série do ensino fundamental. Mas eu nunca desisti, apesar de ter começado atrasado e ter muita dificuldade. Eu num tive muito incentivo da família para estudar, pelo fato de minha mãe estar direto trabalhando e não ter tempo para me dar uma atenção no estudo”, explica.
Dilemas
O estudante mora no bairro Bom Jardim. As aulas, antes da pandemia, eram sempre pela manhã. Geovane conta que embora sempre tenha enfrentado alguns dilemas para se manter na escola, as aulas presenciais sempre o motivaram. “Na escola eu tinha atenção redobrada pelo fato de ter o professor explicando”. Os rumos deste segundo semestre letivo, para ele, ainda são incertos. Há uma vontade de continuar acompanhando para tentar o Enem, mas também a sensação constante de parar este ano e quem sabe retomar no próximo.
O chefe do Escritório do Unicef no Ceará, Rui Aguiar, explica que, desde 2017, o Unicef em parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e o Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas), trabalha com a ferramenta Busca Ativa Escolar, que é uma plataforma gratuita para ajudar os municípios a combater, dentre outros, o abandono das escolas. No Ceará, 176 municípios do interior do Estado estão cadastrados na plataforma. A tentativa é de resgatar estudantes que tenham deixado as escolas entre os anos de 2017,2018 e 2019.
Neste ano, conta Rui, o Ceará atingiu a meta de garantir que 20% das crianças e adolescentes que haviam deixado as escolas nestes três anos, retornassem. Ao todo, 12.306 alunos voltaram às salas de aula nas 176 cidades (o cálculo não inclui dados da Capital). A melhor forma de combater o possível aumento do abandono, avalia Rui Aguiar, é monitorar a situação desses alunos. Pois, nesta conta, 48 mil crianças que abandonam a escola nessas cidades no período observado ainda não retornaram até o momento.
Rui também chama atenção para o fato de que na metodologia da Busca Ativa, a cada três meses, o coordenador pedagógico da escola tem que fazer uma observação na plataforma dizendo se o aluno está ou não matriculado. Se o estudante continua indo à escola. Mas, conta Rui, “durante esse período de pandemia, o que observamos é que essa parte não está sendo colocada, ou seja, as crianças não estão sendo monitoradas. Então, nossa grande preocupação é que não está acontecendo o monitoramento”.
Os alunos do 6º ao 9º ano são mais afetados pelo movimento da evasão escolar, na percepção da presidente da Undime Ceará, Luíza Aurélia Teixeira. Nessa faixa etária, como relata, as crianças com baixa renda buscam atividades remuneradas para ajudar financeiramente em casa. “Alguns problemas da educação pública foram evidenciados com a pandemia, como é o caso do abandono e da evasão que a gente já convive e tenta combater”, destaca.
No contexto de ensino remoto, os esforços envolvem os professores com a diversificação das metodologias, disponibilização de material impresso para as famílias sem acesso à internet e contato direto. Essa realidade, como reflete, está evidente em Crateús, no Sertão dos Inhamuns, onde atua como secretária de educação. Mas outro aspecto é fundamental. “Nós temos percebido o fortalecimento do vínculo com as famílias, tem sido uma das coisas positivas da pandemia, essa aproximação com as escolas, e também o sentimento de pertencimento no processo de ensino e aprendizagem do aluno, aspecto esperado no contexto pós-coronavírus”.
Para o retorno ao ambiente já conhecido de ensino ainda é necessário resolver os problemas estruturais também vivenciados pelos estudantes, como atesta o presidente do Sindicato dos Professores e Servidores da Educação Pública do Ceará (Apeoc), Reginaldo Pinheiro. “Tanto as escolas particulares quanto o Poder Público devem garantir todo o apoio aos profissionais da educação e os estudante para que se garante a efetividade do direito à educação nesse período em que as aulas são remotas”. Ele indica ajustes necessários para possibilitar ventilação, reformas em banheiros, diminuição da quantidade de alunos por sala e ampliação dos espaços de convivência.
Questionada sobre um possível diagnóstico sobre a atual situação de abandono escolar no Ceará e quantidade de estudantes que podem ter deixado a escola no momento da pandemia, a Secretaria Estadual da Educação (Seduc) disse apenas que a verificação da frequência e da aprendizagem é feita por cada escola considerando o Plano de Estudo Domiciliar, e que “a Seduc respeitou o período oficial de férias escolares e voltará a atualizar os dados neste mês de agosto. Portanto, ainda não é possível confirmar esse número agora”.
Atividades
Dentre as estratégias para tentar evitar o abandono escolar na pandemia, a Seduc relata ter adotado, dentre outras ações: atividades domiciliares em que cada escola organizou as aulas para os alunos, em conjunto com seus coordenadores e professores e as “aulas chegam aos alunos por meio de tecnologias, material impresso, rádio ou da TV Ceará (TVC) com transmissão de aulas das diversas disciplinas”.
Já a Secretaria Municipal de Educação (SME) destaca o último Censo Escolar com registro de redução em 93,8% do abandono no ensino fundamental, entre os anos de 2008 e 2018, em Fortaleza. “Sendo considerada a capital do Nordeste com maior redução na taxa. Em 2019, esse índice de abandono foi de apenas 0,4%. Em 2018, o percentual foi de 0,6% e, em 2017, a taxa de abandono foi de 1,4%”.
Medidas como a utilização de um sistema próprio de acompanhamento diário da frequência possibilitam o acompanhamento integral dos estudantes. Os contatos são feitos por telefone com os responsáveis, ou diretamente com alunos maiores de idade, envio de comunicado escrito e visita domiciliar.
Por Thatiany Nascimento
Fonte: Diário do Nordeste