Samuel Gomes de Melo concluiu o curso de Música – Licenciatura na Universidade Federal do Cariri (UFCA) em julho de 2020, depois de defender seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) sobre educação inclusiva na UFCA a partir da Musicografia Braille (“Educação inclusiva: um estudo sobre uma oficina em iniciação à Musicografia Braille no curso de Música – Licenciatura – da Universidade Federal do Cariri”). Embora tenha sido o tema de seu TCC, a Musicografia Braille, um código Braille voltado para a notação musical, é um tema relativamente novo na realidade de Samuel, que teve contato com o código em 2019, a partir de uma oportunidade de bolsa do Programa de Aprendizagem Prática (PAP) na Secretaria de Acessibilidade (Seace) da UFCA.
Samuel conta que já tinha ouvido falar no Braille, o sistema de escrita tátil utilizada por pessoas cegas ou com baixa visão, mas que nunca tinha parado para refletir sobre como seria um aluno cego no curso de Música, até que um dia, ao procurar oportunidades de bolsa na UFCA, fez a seleção e passou a atuar na Seace, na adaptação de materiais (textos e partituras) para o primeiro estudante com deficiência visual a cursar Música na UFCA, Jefferson Araújo Linhares. A partir desse momento, Samuel explica que ele e a braillista cedida da Secretaria de Educação (Seduc) de Juazeiro do Norte à UFCA, Cristiana Café, mergulharam no universo da Musicografia Braille para proporcionar ao Jefferson a plena participação no curso de Música.
A Musicografia Braille ainda não é amplamente conhecida no meio musical. Samuel conta que para transpor as partituras para a Musicografia Braille, como esta foi a primeira experiência da UFCA na adaptação desse tipo de material, ele e Cristiana estudaram o Manual Internacional de Musicografia Braille, e recorreram a teses e a livros brasileiros, como o livro Introdução à Musicografia Braille, de Dolores Tomé. Dessa maneira, foram adquirindo conhecimentos que avançavam juntos com a progressão de Jefferson no curso.
Além dos livros, teses e manual, para a transposição das partituras para o código, também foi utilizado o software livre Musibraille. O software é um dos produtos do projeto de mesmo nome, Musibraille, desenvolvido na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). De acordo com Dolores Tomé, referência brasileira em Musicografia Braille, uma das autoras do software e membro na banca de defesa de Samuel, o software Musibraille desmistifica a dificuldade de trabalhar com cegos.
Primeira experiência
Francileuda Linhares, secretária de Acessibilidade da UFCA, conta que, logo que Jefferson ingressou no curso de Música, a Seace buscou instituições que já tivessem histórico no atendimento de pessoas cegas no curso de Música, como a Secretaria de Acessibilidade da Universidade Federal do Ceará (UFC) e o Setor de Musicografia Braille e Apoio à Inclusão (Sembrain), do curso de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Com isso, os servidores da Seace começaram a se articular para preparar a UFCA para atender o estudante. Assim, a Seace e a Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Progep) realizaram uma capacitação, ministrada pela professora do IFCE, Lia Raquel Monteiro Santos Venturieri, para os docentes do curso de Música da UFCA, para prepará-los para o atendimento à especificidade do estudante. Rute Leandro, tradutora intérprete de Libras e gerente da Divisão de Serviços Acessíveis da Seace à época, conduziu a produção do material didático acessível para leitores de tela, Braille e Musicografia Braille.
Inclusão
A inclusão de pessoas com deficiências nas instituições de ensino ganhou impulso em 2009, com a publicação do Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, e, em 2015, com a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Embora haja um esforço para democratizar o ensino, segundo Dolores Tomé, ainda há desconhecimento da comunidade acadêmica e da comunidade em geral sobre os instrumentos que proporcionam a inclusão, como o software Musibraille. Dolores avalia que, desde 2009, melhorou muito a inclusão dos cegos nas instituições de ensino, mas ainda é preciso difundir informações para que todos saibam que há meios para a inclusão.
Acessibilidade da UFCA
A UFCA trabalha para promover a democratização do ensino, através de tradutores intérpretes de Libras, disponibilização de mobiliários adaptados, ofertas de capacitações na área da Pessoa com Deficiência e preparação de materiais para estudantes, possibilitando a permanência dos alunos nos cursos. Segundo Francileuda, secretária da Seace, “para os discentes com deficiência, todo esforço possível é desempenhado com o apoio da gestão superior em busca de condições de igualdade aos demais”. Para ela, ainda há muito a ser alcançado sobre essa questão, mas a UFCA está no caminho. “A Secretaria de Acessibilidade, por exemplo, estimula a oferta da disciplina de Musicografia Braille na grade curricular do nosso curso de Música ou até mesmo a criação do setor de música e inclusão”, disse.
A Seace conta, atualmente, com cinco tradutores intérprete de Libras – Rute da Silva Leandro, David Nascimento Araújo, Francisco Celestino Andrade Filho, Otniel Rodrigues dos Santos e Samara Almeida de Oliveira (contratação temporária) –, a revisora de textos Braille, Alseni Maria da Silva, e Cícera Simone Rodrigues Ferreira, gerente da Divisão de Atendimento e Articulação, responsável por fazer o primeiro contato com os estudantes.