A falta de transparência na divulgação de dados relacionados ao coronavírus no governo Jair Bolsonaro atrapalha a capacidade de o Brasil atrair investimentos, novos projetos e até de fechar acordos comerciais com outros países, segundo economistas ouvidos.
Nos últimos dias, o governo foi acusado de esconder e tentar manipular dados após o Ministério da Saúde realizar uma série de mudanças na sua divulgação diária. Houve restrição de dados, mudança na metodologia, adiamento das divulgações e números divergentes para um mesmo dado. Na semana passada, o portal que reúne as informações ficou fora do ar por quase um dia. Quando voltou, foi em uma versão bem enxuta, com o sumiço de diversos dados.
O empresário Carlos Wizard, conselheiro do ministério e cotado para chefiar uma secretaria, chegou a acusar os estados de inflar o número de casos de coronavírus e afirmou que a pasta iria rever a contagem de mortos. Com a repercussão negativa, Wizard pediu desculpas e recusou o cargo no governo.
Segundo especialistas, a descontinuidade da divulgação de dados ou alterações na metodologia das estatísticas, tanto relativas à saúde quando as de meio ambiente e economia, geram incertezas, diminuem o grau de previsibilidade para os agentes econômicos que querem fazer negócios no país e afetam a confiança de países que têm relações comerciais com o Brasil.
“É a partir dos dados que os agentes de mercados, como investidores e empresários, além dos governos de outros países, podem medir uma economia, para então avaliar se o país é ou não interessante e confiável para construir parcerias e para se investir”, afirmou Pedro Brites, professor da Escola de Relações Internacionais da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Acesso à OCDE pode ser comprometido
Segundo ele, esse problema se torna ainda mais relevante agora, no momento em que o Brasil está envolvido em negociações importantes, por exemplo, para pleitear entrada na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), uma espécie de clube dos países ricos.
“A OCDE tem todo um padrão de dados, não só econômicos, mas também de transparência. Boa parte dos acordos está assentada na transparência de informações. Esses casos recentes no trato dos dados oficiais no Brasil vão enfraquecendo a qualidade do que chamamos de marca Brasil.”
Pedro Brites, professor da FGV
O economista Antonio Corrêa de Lacerda, presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon) e professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), diz que as mudanças no tratamento dos dados oficiais provocam desconfiança, afetando negativamente não apenas a imagem do país, mas tudo o que envolva parcerias e compromissos de longo prazo.
“Isso se torna especialmente preocupante tendo em vista a retração do crescimento de atividades, do nível de comércio e de investimentos globais. Ou seja, o Brasil pode perder espaço em um mercado internacional mais retraído e, portanto, mais disputado.”
Antonio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP
Para o economista Roberto Troster, sócio da Troster & Associados, o Brasil já está pagando o preço por não cuidar da transparência dos dados oficiais. “A não ratificação do acordo União Europeia e Mercosul pela Holanda ilustra bem a importância do politicamente correto”, afirmou o economista. Ele se refere à votação que rejeitou o acordo no Parlamento da Holanda, na qual parlamentares citaram o desmatamento da Amazônia.
Segundo Roberto Dumas, professor de economia internacional do Ibmec, o Brasil perde poder de negociação quando deixa transparecer inconsistências em suas informações. “O outro lado busca qualquer motivo para ‘fazer água’ no acordo”, disse.
‘Estamos sem bússola’
A economista-chefe da gestora de recursos Reag Investimentos, Simone Pasianotto, destaca que os problemas com a divulgação de estatísticas oficiais no governo Bolsonaro não se resumem ao setor da saúde e não são pontuais.
“Vínhamos com problema na divulgação de dados de emprego, o que já é muito crítico. Para piorar, temos agora a não divulgação de dados da saúde, que são importantes porque apontam o impacto da pandemia na economia. Estamos sem bússola. Tudo que gera insegurança e dúvida em ambiente econômico provoca mais risco, e riscos maiores significam juros maiores.”
Simone Pasianotto, economista-chefe da Reag Investimentos
“São os investidores que financiam a dívida pública. Quanto maior a incerteza, mais juros os investidores pedem”, afirmou Dumas, do Ibmec.
Fonte: UOL