Integrantes da equipe econômica avaliam a possibilidade de promover uma segunda rodada de saques de contas ativas do FGTS, o bilionário fundo que opera recursos dos trabalhadores, como forma de ajudar aqueles que têm rendimentos mensais acima de R$ 5 mil e que sofreram perdas com a crise causada pelo coronavírus.
A ideia, segundo técnicos envolvidos nos estudos, é tentar estimular a economia com uma nova injeção de recursos que poderá variar entre R$ 30 bilhões e R$ 50 bilhões no total entre aqueles que concentram cerca de 40% da massa salarial e metade do consumo do país.
Na quarta-feira (8), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) editou uma MP (medida provisória) incorporando o PIS-Pasep ao FGTS e autorizando saques de até R$ 1.045 por cotista. A medida permitiu colocar cerca de R$ 36 bilhões para circular na economia no momento em que o governo liberou a redução de ao menos 25% da jornada e do salário como forma de evitar demissões.
A segunda rodada de saques poderá fazer parte de um novo pacote que a equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) prepara caso a crise se aprofunde depois de junho e seja preciso reforçar as ações emergenciais em curso para evitar que o país mergulhe em uma depressão.
Neste cenário, a economia sofre uma retração por um período maior que dois trimestres (recessão) e o cenário é marcado por uma série de efeitos danosos, como a falência generalizada de empresas e a baixa no comércio internacional.
Histórico
O FMI (Fundo Monetário Internacional) projeta uma retração de 3% na economia global neste ano, pior resultado desde a depressão de 1929.
No Brasil, Guedes, que no início minimizou os impactos da crise deflagrada pelo coronavírus, já passou a prever uma queda de 4% no PIB este ano caso o isolamento social se prolongue além de julho. Por isso, sua equipe trabalha em novas ações emergenciais. A segunda onda de saques seria, neste contexto, um botão de emergência a ser acionado.
A ideia, nesse caso, seria atender àqueles que ganham mais de R$ 5,2 mil mensalmente (cinco salários mínimos), como forma de tentar aquecer o consumo das famílias. Na avaliação dos assessores do governo, esse grupo foi o que sofreu mais perdas com a redução de jornada instituída por Bolsonaro.
De acordo com a MP, quem ganha R$ 5 mil por mês, por exemplo, e teve uma redução de 25% no salário, só conseguiu repor R$ 453 do ordenado. Isso porque a medida definiu que a compensação será calculada sobre o teto do seguro-desemprego (R$ 1.813). Ou seja: quem ganha mais perdeu mais.
Projeções
Os cálculos de quanto a mais poderia ser sacado por esses trabalhadores ainda estão sendo feitos porque dependem de uma série de projeções. O primeiro estudo levou em conta somente a carteira imobiliária administrada com recursos do FGTS no ano passado e as obrigações contratuais vigentes.
Com um retorno anual de cerca de R$ 100 bilhões (da carteira) e as disponibilidades (em torno de R$ 120 bilhões), haveria um espaço de até R$ 50 bilhões. No entanto, há diversos outros fatores a serem considerados neste ano.
A carteira deverá render muito menos por causa da queda da Selic, a taxa básica de juros. Também não se sabe qual será a demanda por imóveis nem o aumento dos saques decorrentes de demissões. Mesmo assim, os assessores do governo consideram ao menos cerca de R$ 30 bilhões em saques adicionais.
O formato varia. Uma das alternativas seria a liberação de parte do saldo somente para aqueles que comprovarem perdas superiores a 40% da renda mensal.
Saque
Quando é possível sacar do FGTS? A legislação determina que o saque é realizado sempre que o trabalhador é demitido sem justa causa
Por que o dinheiro fica depositado tanto tempo? Os recursos são aplicados. As contas dos trabalhadores são corrigidas em 3% ao ano e os ganhos adicionais obtidos pelo fundo vão se acumulando permitindo, assim, que o FGTS possa financiar projetos de habitação, saneamento e infraestrutura
R$ 50 bilhões
É o valor máximo que o governo estuda liberar em uma nova rodada de saques ainda neste ano para quem tem contas ativas e ganha acima de cinco salários. Outra proposta seria definir valores mais elevados para quem tem salário menor, porque esse grupo possui menos reservas financeiras, ainda segundo os técnicos.
As empresas da construção, que acompanham o balanço do FGTS, afirmam que esse movimento sinaliza uma ruptura na política do fundo e mostra que Guedes, ainda que forçado pela crise, irá cumprir uma promessa feita durante a campanha presidencial: pôr fim ao FGTS.
Elas consideram que o governo usa a crise para promover saques desenfreados. Isso levaria, por um lado, à extinção das contas e, por outro, a redução dos recursos necessários para o financiamento da casa própria.
Hoje, a legislação vigente direciona parte dos recursos do FGTS principalmente para o financiamento da construção, obras de infraestrutura e saneamento. Essa carteira gera um retorno que retroalimenta o fundo, além, é claro, dos depósitos realizados pelas empresas nas contas de seus funcionários.
Segundo um integrante do Conselho Curador do FGTS, órgão que decide sobre as políticas de uso dos recursos, em 2018, o fundo tinha cerca de R$ 120 bilhões investidos em títulos públicos. Em 2017, quando o ex-presidente Michel Temer (MDB) liberou saques de contas inativas, essa posição em títulos era de quase R$ 140 bilhões.
Boa parte dos recursos para a habitação (e subsídios) saem dessa carteira. Ou seja: o espaço para saques está se reduzindo, segundo esse representante.
Ministério
A reportagem pediu detalhes da proposta de novos saques à Secretaria Especial de Fazenda do Ministério da Economia que cuida de assuntos relacionados ao FGTS. Por meio de sua assessoria, a secretaria disse que o FGTS “é sempre uma referência natural nessa procura por seu tamanho e alcance” e que, no momento, a liberação de saques de até um salário mínimo “tomará os recursos que estão disponíveis atualmente no fundo”. “Não há previsão, por ora, de novos anúncios.”
Fonte: Folhapress