Juntos, São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará e Distrito Federal concentram sete em cada dez casos de coronavírus no Brasil. Oito em cada dez mortes no país também aconteceram nessas quatro unidades federativas.
Mas não são esses os únicos fatores que os fazem formar “a turma mais preocupante em todo o território nacional” na luta contra a covid-19, como avalia o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Para o ministro, essas são as localidades em que “a gente tem uma atenção muito mais pormenorizada e sem perder de vista todas as outras cidades brasileiras”.
Questão social, posição geográfica e porte dos estados foram apontados nos últimos dias por Mandetta e sua equipe no Ministério da Saúde para justificar a preocupação.
Mas a junção desses fatores pode ser resumida em um ponto: circulação. O quarteto, segundo Mandetta, apresenta “maior probabilidade de termos grandes movimentos”.
Com base em dados levantados pelo ministério até a última sexta (3), o quarteto era o que apresentava os piores dados na comparação de incidência de casos de coronavírus por bloco de 100 mil habitantes.
• Distrito Federal: 13,5 casos a cada 100 mil pessoas
• São Paulo: 8,8 casos a cada 100 mil pessoas
• Ceará: 6,9 casos a cada 100 mil pessoas
• Rio de Janeiro: 6,4 casos a cada 100 mil pessoas
Se considerado o país todo, essa taxa é de 4,3 casos. “Aqui a gente pode comparar um estado com o outro, medindo com a mesma métrica”, explicou, na última quarta (1º), o secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson de Oliveira.
Brasil continental
Os quatro locais que são focos de atenção do ministério se justificam, segundo Mandetta, pelo fato de “o Brasil não ser um país pequeno”. “A gente pode ter um problema em Brasília, em São Paulo, ao mesmo tempo que não tem em outra cidade. O Brasil é um país continental”, comentou na quarta.
O infectologista Mateus Westin, professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), concorda com o ministro. “É preciso mesmo tratar a epidemia com foco.”
Para ele, mesmo dentro dos focos, é preciso observar “algumas regiões específicas”. “É muito importante que se tenha atenção para aglomerados, vilas e favelas, onde a introdução do vírus pode ser realmente devastadora em uma transmissão desordenada, e com crescimento rápido do número de casos.”
Questão social
Esse é um dos motivos que levou Mandetta a considerar o estado fluminense como um dos locais de preocupação. “O Rio tem áreas de exclusão social com muita aglutinação de pessoas, difícil de fazer o isolamento, o que nos preocupa muito.”
Na opinião do infectologista Evaldo Stanislau, do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), “áreas de aglomeração, de moradias subnormais, são onde a epidemia pode se disseminar com mais rapidez”.
Essas áreas podem ter falta de assistência médica, onde poderá acontecer superlotação de serviços de saúde, com menor disponibilidade de leitos. “Talvez essas regiões estejam mais próximas de enfrentar a saturação da rede de assistência”, comenta Stanislau, também diretor da Sociedade Paulista de Infectologia.
Segundo o ministro, o pico de casos no país ainda não chegou, mas já “estamos iniciando um processo de estresse no sistema”. Por esse motivo, tanto especialistas quanto o próprio ministério reforçam que é fundamental o isolamento social neste momento a fim de preservar o sistema de saúde do país.
Deslocamentos
Ao citar a capital federal, o ministro lembrou “Brasília recebe muitos voos internacionais, pessoas de todos os estados”. Ao mesmo tempo, Rio de Janeiro e São Paulo possuem os dois principais aeroportos internacionais do país, e o Ceará também tem se destacado por sua conexão com a Europa na malha aérea brasileira.
“São localidades que têm uma ampla circulação de transporte aéreo”, comenta Westin. “Isso pode ter de fato introduzido os primeiros casos importados, em uma quantidade maior, nessas localidades sem que o nosso sistema de vigilância tivesse conseguido detectar a maioria deles.”
Espaços distintos
As características e diferenças de cada região também ajudam a compreender a dinâmica do coronavírus, o que faz o ministro ter um olhar para uma região com o “porte” de São Paulo, estado mais populoso do país. “São 22 milhões de habitantes [na região metropolitana]. Uma espiral ali seria muito intensa.”
O estado paulista é mais adensado que o Ceará, por exemplo, o que pode levar a diferenças no comportamento da expansão da doença no país, opina Stanislau. No Nordeste, Centro-Oeste e Norte, por exemplo, o infectologista observa um “espaçamento geográfico natural”.
“Você tem grandes distâncias. Pelo próprio desenho [da região], casas mais espalhadas, cidades mais horizontais, o comportamento [do vírus] talvez seja diferente, a velocidade de disseminação seja diferente”, diz Stanislau, pontuando que cada região do país pode chegar a seu pico de covid-19 em momentos distintos, reforçando a necessidade do isolamento social.
Westin lembra que, como o Brasil ainda tem dificuldades em expandir a quantidade de testes, a detecção atual não é a ideal para planejamento de ação.
“Estamos tendo notícia do crescimento da epidemia a partir de casos graves, de óbito. A gente está sempre com dado retrospectivo”, diz, lembrando que há casos de pessoas com suspeita que não foram examinados. “Daí a necessidade de se ampliar o número de testes, mapear melhor e mais precocemente a epidemia.”
Assim, os especialistas avaliam ser difícil saber com certeza hoje em que localidades já há circulação de vírus. A tese é sustentada pela possibilidade de, daqui uma ou duas semanas, regiões que não eram preocupantes, mostrarem que a covid-19 estava nelas.
“A gente não está fazendo exame suficiente. Então a gente não conhece a realidade dos casos”, avalia Stanislau. “Qualquer correlação matemática fica prejudicada”.
Fonte: UOL