O obscurantismo político de Bolsonaro chegou ao limite máximo de sua inconsequência. Negar insistentemente a realidade letal do coronavírus não concretiza apenas a postura abobalhada que lhe é inerente, confirma também a sua compulsão criminosa de trair o povo brasileiro, infringindo abertamente a Lei 7.170, de 14 de dezembro de 1983, que trata dos crimes de lesa pátria. Além de incitar pastores e comerciantes a manterem o fluxo de pessoas ele decretou que as fronteiras dos estados permanecessem abertas, o que pode significar a contaminação e morte de milhares de pessoas, deixando uma assinatura grotesca de inúmeros cadáveres. Na cabeça dele a economia não pode parar, a população que se vire.
Se não bastasse a irresponsabilidade pública de se pronunciar como “chefe de Estado”, afirmando que a pandemia em curso no mundo todo é uma histeria fantasiosa, uma gripezinha de nada, esse espécime grotesco convoca sua tropa grotesca para uma manifestação grotesca contra as grotescas instituições públicas, em nome de uma ufanista Ditadura Militar, golpe em curso em sua mente doentia. Desautorizou e humilhou seus grotescos ministros e secretários, já atônitos com estratégias erráticas de combate à expansão do vírus, colocando em risco a população brasileira, inclusive a parte grotesca. O resultado é o desmanche galopante do curral, com a popularidade beirando pífios 15%, a maior da história para um presidente em seu início de gestão. Para os defensores que restam, agora literalmente encurralados, isso também é histeria fantasiosa, o que importa é que Lula é ladrão e o dízimo é mais importante do que Deus.
O infantilismo da teoria da conspiração de que o coronavírus foi criado em laboratórios da China para criar uma das maiores crises econômicas da história recente do capitalismo, para que àquela nação pudesse comprar empresas internacionais a preço da feirinha de troca, além de fragorosamente imbecil, têm afastado defensores dos mais fanáticos e não menos bizarros, como Janaina Paschoal e o biscate João Doria, bem como o ataque direto à China feito pelo bananinha e a postura sempre infectada do ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo. Os currais ululantes dos bairros ricos do Rio, de São Paulo, de Belo Horizonte e boa parte do sul maravilha, se transformaram em grife de panelas. A fila dos arrependidos é muito mais incriminatória do que burlesca. A história já está acertando as contas com os cadáveres políticos que deram o golpe e se acotovelaram em cima da carniça.
A trilha de cadáveres da COVID-19 serve para muitas coisas, não só para celebrar a dor e o pânico, não só no mundo, aqui na terra onde crescem os pilantras também. Ela explica por linhas tortas. Isso não é uma instrumentalização da desgraça humana, mas sim uma depreensão do quanto que tem de humano nessa desgraça. Uma autopsia psicossocial dos zumbis dessa pandemia revela um vírus muito mais letal do que o novo corona: a libertinagem espiritual do neoliberalismo é especialista em fabricar cadáveres prematuros. Nenhuma reforma anunciada pelo despreparado Paulo Guedes será capaz de salvar o Brasil da morte certa da economia, que já estava moribunda antes da explosão do vírus. Como diria Zappa: “O navio chegou muito tarde para salvar a bruxinha que se afoga”. Nem mesmo a delinquência explicitada em um programa de ratos do pontualismo presidencial em priorizar a economia em detrimento do povo, salvará absolutamente nada. A pandemia matará o neoliberalismo, um assassino em série. As reformas matam o povo e ressuscitam o capital privado. A precarização do trabalho, os direitos solapados e o aniquilamento da assistência social pública, também mata o povo.
Enquanto o presidente brasileiro mais patife, entre os patifes, patina na lama de uma agenda ideológica, ainda de campanha eleitoral, mais de um ano depois ainda culpando o PT, o comunismo e tudo que for de esquerda, numa ladainha olavista interminável e patética, sem apresentar nenhum esboço razoável de governabilidade, uma macabra lista de atentados à Constituição brasileira gruda nas costas dele, com capilaridade capaz de constranger até o mais fiel ruminante posto no pasto a seu lado. Ainda envolto no misterioso teste positivo que virou negativo, o presidente vê sua tosca popularidade ruir em meio a atitudes indignas de um chefe de estado, de um político de carreira, e de qualquer ser humano. Ainda não se sabe ao certo se ele está ou não com a COVID-19, todos da sua comitiva testaram positivo, todos. É possível que ele tenha atuado como um exterminador do presente.
Mas caso ele tenha contraído o novo coronavírus e de forma totalmente criminosa tenha espalhado deliberadamente, essa se tornaria uma das maiores traições ao povo brasileiro. Toffoli, Maia e Alcolumbre, antes disso já tinham motivos suficientes para acatarem um dos vários pedidos de impeachment, resta agora esperar que os três atuem em favor do povo brasileiro e se livrem da anuência metódica e legalista de golpistas e facínoras e se agarrem à chance de entrar para história como arrependidos pela constante falta de moral, idoneidade e transparência. Lembre-se que Bolsonaro saiu do Congresso. É lá a origem e onde habitam os vírus. Quanto mais esses resistem em negar o óbvio, em negar o povo brasileiro, mais fede a lama, mais a sociedade terá motivos para acreditar que a bandidagem é o maior grau de imunização para qualquer infecção, fortalecendo o Brasil como um dos países mais sórdidos da terra, seja ela redonda, plana ou apenas uma histeria fantasiosa.
Por Marcos Leonel – Escritor e cidadão do mundo
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri