A idade ideal para iniciar a mamografia de rastreamento, exame fundamental para a detecção precoce do câncer de mama, voltou a ser tema de debate no Brasil. Enquanto o Ministério da Saúde e o Instituto Nacional do Câncer (Inca) recomendam que a mamografia seja feita a cada dois anos por mulheres entre 50 e 69 anos, entidades médicas como a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) defendem que o exame seja realizado anualmente a partir dos 40 anos.
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A divergência ganhou destaque após a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) abrir uma consulta pública sobre atualizações no Manual de Boas Práticas em Atenção Oncológica, documento utilizado para certificar operadoras de planos de saúde que oferecem atendimento qualificado na área oncológica.
Entre os critérios para essa certificação está a realização de exames de rastreamento de diferentes tipos de câncer, incluindo o de mama. No entanto, a minuta elaborada pela ANS adota o protocolo do Inca, que recomenda a mamografia apenas a partir dos 50 anos, com intervalo de dois anos entre os exames.
Consenso sobre a importância do rastreamento organizado
Apesar das divergências sobre a faixa etária, especialistas concordam que a melhor estratégia para reduzir a mortalidade pelo câncer de mama é o rastreamento organizado. O diretor-geral do Inca, Roberto Gil, destaca que um diagnóstico precoce permite tratamentos mais eficazes e menos invasivos.
“A melhor maneira de desenvolver a linha de cuidados do câncer é tentar fazer o diagnóstico da doença o mais precocemente possível. Porque quanto mais cedo for o diagnóstico, mais efetivo e menos dispendioso será o tratamento”, explica.
A mastologista Rosemar Rahal, representante da SBM e da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), reforça que países que reduziram a mortalidade pelo câncer de mama adotaram o rastreamento organizado. “Este é o caminho, não tenho dúvida”, afirma.
Debate sobre a faixa etária e periodicidade da mamografia
A decisão da ANS de seguir o protocolo do Inca gerou protestos de entidades médicas que defendem a inclusão de mulheres de 40 a 50 anos no rastreamento mamográfico e a realização anual do exame. Segundo Rosemar Rahal, 25% dos casos de câncer de mama no Brasil ocorrem nessa faixa etária, o que tornaria essencial a ampliação da cobertura.
“Se fazemos esse rastreamento apenas a partir dos 50 anos, estamos postergando o diagnóstico. Essa lesão prolifera dentro desse tecido mamário e chega até nós em um estágio mais avançado”, alerta a mastologista.
Por outro lado, o diretor-geral do Inca argumenta que a recomendação do órgão segue diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC), que não identificaram aumento significativo da sobrevida em mulheres rastreadas entre 40 e 50 anos.
“A evidência científica disponível hoje não é baseada na opinião de um especialista, mas na literatura médica de maior nível de confiabilidade, como meta-análises e estudos randomizados. Grande parte dos estudos não conseguiu demonstrar aumento de sobrevida nessa faixa etária. Já entre 50 e 69 anos, o benefício do rastreamento é comprovado”, explica Roberto Gil.
Outro fator destacado pelo Inca é a densidade mamária. Segundo o órgão, antes dos 50 anos, o tecido mamário é mais denso, o que reduz a eficácia da mamografia e aumenta a ocorrência de falsos positivos, podendo levar a biópsias desnecessárias e até a cirurgias evitáveis.
Impacto na cobertura dos planos de saúde
A polêmica se intensificou após informações nas redes sociais sugerirem que a ANS poderia restringir o acesso à mamografia para mulheres abaixo de 50 anos nos planos de saúde. No entanto, a agência esclareceu que o manual em debate trata apenas de critérios para certificação e não altera as regras de cobertura obrigatória.
Atualmente, o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS garante o direito à mamografia bilateral para mulheres de qualquer idade, desde que haja indicação médica, e prevê cobertura obrigatória do exame para mulheres entre 40 e 69 anos. Além disso, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República divulgou nota reafirmando que os planos de saúde não podem negar o exame, sob risco de multa.
Mesmo com essas garantias, Rosemar Rahal teme que a certificação baseada no protocolo do Inca possa, na prática, influenciar a decisão das operadoras de planos de saúde e levar à restrição da mamografia para mulheres mais jovens.
“Se a ANS considera como critério de qualidade realizar mamografia apenas a partir dos 50 anos, toda a saúde suplementar pode acabar adotando isso como referência. Se esse documento for publicado dessa forma, os planos podem começar a negar exames para mulheres abaixo dessa faixa etária”, alerta a mastologista.
Próximos passos
Diante da controvérsia, a ANS realizou uma reunião com representantes de diversas entidades médicas para esclarecer pontos da consulta pública e concedeu um prazo de 30 dias para que sejam apresentados estudos científicos que embasem eventuais alterações no documento. A agência também informou que recebeu mais de 63 mil contribuições e que todas serão analisadas antes da decisão final.
Por Heloísa Mendelshon