O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta quarta-feira (21), que a vacina Coronavac, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantã, “não será comprada” pelo governo brasileiro. A mensagem foi publicada no Facebook, em resposta a um comentário crítico ao anúncio do Ministério da Saúde de que tem a intenção de adquirir 46 milhões de doses do imunizante.
“Presidente, a China é uma ditadura, não compre essa vacina, por favor. Eu só tenho 17 anos e quero ter um futuro, mas sem interferência da Ditadura chinesa”, comentou um usuário. O presidente respondeu: “NÃO SERÁ COMPRADA”, em letras maiúsculas. A outra usuária que disse para o presidente exonerar o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, “urgente” porque ele estaria sendo cabo eleitoral do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), Bolsonaro respondeu que “tudo será esclarecido hoje”. “NÃO COMPRAREMOS A VACINA DA CHINA”, voltou a dizer, também em maiúsculas.
A um outro seguidor que disse que Pazuello os traiu ao comprar a vacina chinesa e que o presidente “se enganou mais uma vez”, Bolsonaro afirmou que “qualquer coisa publicada, sem qualquer comprovação, vira TRAIÇÃO”.
Depois em post publicado no Facebook oficial, com o título “A vacina chinesa de João Dória”, Bolsonaro afirmou que “qualquer vacina, antes de ser disponibilizada, deverá ser comprovada cientificamente pelo Ministério da Saúde e certificada pela Anvisa” e que “o povo brasileiro não será cobaia de ninguém”.
Bolsonaro também escreveu que “não se justifica um bilionário aporte financeiro num medicamento que sequer ultrapassou fase de testagem”. Segundo o Ministério da Saúde, o valor desembolsado deve ser de R$ 1,9 bilhão. “Diante do exposto, minha decisão é a de não adquirir a referida vacina”, afirmou o presidente.
O argumento de Bolsonaro, porém, contradiz ato anterior da sua própria gestão. O ministério já firmou outro acordo bilionário para adquirir uma vacina que ainda está em teste. Em agosto, o próprio presidente assinou medida provisória liberando R$ 1,9 bilhão em recursos para a compra de 100 milhões de doses da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford em parceria com a farmacêutica AstraZeneca. O compromisso prevê transferência de tecnologia de produção da vacina para a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O produto está em fase final de estudos, assim como a Coronavac.
Vários países estão firmando acordos prévios de compra de vacinas ainda em testes justamente para garantir o abastecimento depois do registro. Os Estados Unidos, por exemplo, fecharam acordo de R$ 10 bilhões com a Pfizer para a compra de 100 milhões de doses da vacina neste ano.
Quanto ao argumento de que o Brasil não servirá “de cobaia” para a vacina chinesa, Bolsonaro desconsidera o fato de que, além dos milhares de voluntários participantes dos estudos da vacina, a China já aprovou o uso emergencial da Coronavac entre alguns grupos de sua população, como profissionais de saúde.
Vacina brasileira ou chinesa?
Nesta terça, o Ministério da Saúde assinou um protocolo de intenções para adquirir 46 milhões de doses da Coronavac. O acordo foi fechado durante reunião do ministro de Pazuello com governadores. “A vacina do Butantã será a vacina do Brasil”, disse Pazuello, ao anunciar o acordo. Na reunião desta terça, a expectativa era de que a aquisição ocorresse até o fim do ano, após o imunizante obter registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e que a vacinação começasse já em janeiro. O ministério informou que investirá R$ 1,9 bilhão na compra. O recurso extra será liberado por medida provisória.
Pazuello anunciou o acordo e ressaltou que a “vacina do Butantã será a vacina brasileira” ao lembrar que o imunizante, mesmo tendo sido desenvolvido na China, será produzido integralmente na fábrica do Butantã, em São Paulo.
A pasta disse ter assinado um protocolo de intenções com o Butantã para adquirir as 46 milhões de doses, mas ressaltou que, para dar seguimento ao processo de compra, o instituto terá de enviar “todos os documentos comprobatórios dos ensaios clínicos já realizados e daqueles em andamento” referentes à Coronavac. Também destacou que o produto terá que comprovar segurança e eficácia e obter aval da Anvisa. De acordo com dados apresentados pelo Butantã, a incidência de eventos adversos entre os voluntários do Butantã foi de 35% contra ao menos 70% nas outras vacinas testadas. A comparação foi feita com dados das pesquisas de outros quatro imunizantes em estudos no mundo pela Moderna, Pfizer/BioNTech, AstraZeneca e CanSino.
Desde o começo de outubro, o Butantã vem entregando à Anvisa a documentação da coronavac, a fim de agilizar a obtenção do registro caso os testes de fase três sejam bem-sucedidos. A Coronavac é uma parceria do Butantã com a chinesa Sinovac. O imunizante é feito com uma tecnologia de vírus atenuado, usada na maioria das vacinas já existentes atualmente, e utiliza fragmentos do vírus já morto para induzir a resposta imune ao patogeno, mas sem causar doença.
Divergências Doria e Bolsonaro
Nesta quarta-feira, Doria está em Brasília para uma série de compromissos que envolvem discussões sobre a Coronavac. Às 13h, de acordo com agenda divulgada pela assessoria do governador, ele tem uma reunião com o presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres.
Bolsonaro e Doria vem trocando farpas públicas sobre a condução da pandemia e também da vacinação. Na semana passada, Doria disse que a imunização será obrigatória no Estado de São Paulo. Já Bolsonaro diz que a imunização contra covid-19 não será compulsória. Na segunda, Bolsonaro declarou que “a lei é bem clara e quem define isso é o Ministério da Saúde. O meu ministro da Saúde já disse que não será obrigatória essa vacina e ponto final”. Sem citar Doria, o presidente afirmou que tem “governador que está se intitulando o médico do Brasil”.
Em resposta no mesmo dia, poucas horas depois, em entrevista coletiva, Doria afirmou que “o Brasil precisa de paz, amor e vacina para salvar os brasileiros”. “Entendo que a vacina deve ser aplicada a todos os brasileiros, para salvar a vida de todos. Não estamos em uma corrida eleitoral ou ideológica. Estarei ao lado de médicos e cientistas que querem salvar vidas”, disse na ocasião.
Outras vacinas
Além da coronavac, o Ministério da Saúde já tem acordo com o laboratório AstraZeneca para compra de 100 milhões de doses da vacina desenvolvida pela farmacêutica em parceria com a Universidade de Oxford. No Brasil, o imunizante é testado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e deverá ser produzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
O Brasil tem ainda garantidas outros 40 milhões de doses por integrar a Covax, iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) que reúne dezenas de países interessados em receber imunizantes contra a doença.
Fonte: Estadão Conteúdo