Detalhes da investigação sobre a morte de João Gregório, mais conhecido como João do Povo, eleito prefeito de Granjeiro em 2016, apontam que câmeras de segurança e a nota fiscal de uma lanchonete foram os principais elementos para encontrar o suspeito do crime: Ticiano Tomé, vice-prefeito na mesma chapa.
Além dele, outras sete pessoas e o pai de Ticiano Tomé foram presos no último dia 15 suspeitos de envolvimento no caso. As investigações indicam que o crime teria sido para que o vice assumisse a gestão.
Em 24 de dezembro de 2019, João do Povo foi morto a tiros enquanto fazia uma caminhada próximo à casa dele. “Ele recebeu algumas ameaças, inclusive foi alertado por amigos próximos que deveria tomar cuidado quanto a isso”, contou o advogado da família de João, Igor César Rodrigues. Três dias depois do crime, Ticiano assumiu a prefeitura.
De acordo com a promotoria responsável pelo caso, ao assumir a Prefeitura de Granjeiro, Ticiano intimidava testemunhas para dificultar a apuração do caso.
Investigação
Com depoimentos de testemunhas que afirmaram ter visto os criminosos fugindo em um veículo modelo Gol, de cor escura, na época do assassinato, os investigadores descobriram uma imagem de câmera de segurança que mostra o automóvel usado pelos autores dos disparos que mataram João do Povo.
Equipes da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS) usaram tecnologia e melhoramento da imagem e identificaram que, na verdade, o carro em questão era um modelo Polo. “Foi um fato até curioso porque o carro que participou foi um Polo, só que ele estava com a calota de um Gol”, lembra Aloísio Lira, superintendente de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública.
A partir disso, parte da placa do veículo foi decifrada pela equipe de Segurança. No entanto, a baixa qualidade da imagem dificultou a identificação de todos os caracteres. Os policiais passaram, então, a trabalhar com três hipóteses para a placa e vistoriaram carros modelo Polo com uma dessas identificações.
“Aí podemos monitorar quais eram os Polos que poderiam estar na região e acompanhar essa movimentação dentro desses veículos que possivelmente estavam envolvidos no delito”, detalha Lira.
Os investigadores souberam que um Polo estaria numa fazenda de parentes de Ticiano Tomé. A Polícia foi até o local e não encontrou o veículo. Mas achou outra pista: a nota fiscal de uma lanchonete, com data e horário em que a compra foi feita.
Com a continuidade dos trabalhos, os investigadores identificaram um veículo Polo que passou no drive thru da lanchonete; a placa do carro batia com uma das combinações que a Polícia tinha como hipótese. “A partir daí, a gente teve certeza realmente que se tratava daquele carro”, relata o delegado de Crato, Luiz Eduardo da Costa.
Tecnologia
Para auxiliar as investigações, as equipes utilizaram uma ferramenta utilizada pela Polícia desde 2017, o Sistema Policial Indicativo de Abordagem (Spia). A tecnologia permite que, quando uma ocorrência envolvendo veículo suspeito entra no sistema, cada operador que fica em uma central tenha acesso à rota do carro nas quatro horas anteriores. Assim, ele passa a ser monitorado.
São 3.300 sensores e câmeras de trânsito e de segurança interligados a esse sistema. Mesmo nos pontos onde não há câmeras do Spia, a inteligência artificial pode ser usada para ajudar a elucidar crimes. “Ele (o Spia) faz toda uma análise de movimentação e consegue predizer uma rota de fuga com até 87% de acerto”, explica Aloísio Lira.
De acordo com informações da investigação, o Polo usado pelos executores do assassinato havia sido alugado. Com a informação completa da placa, o sistema identificou locais por onde o veículo passou e encontrou outra pista importante: as pessoas no Polo costumavam andar sempre acompanhadas por um grupo em outro veículo – uma caminhonete que pertencia a Ticiano.
“A partir daí que realmente abriu todo o leque da investigação. Tudo começou a se encaixar, na verdade”, diz o delegado Luiz Eduardo.
A investigação avançou com o depoimento de testemunhas e a análise de celulares.
A polícia acusou Ticiano Tomé e o pai dele, Vicente Tomé, de mandarem matar João do Povo.
“Vários fatos, várias conversas e depoimentos demonstram uma inimizade entre a vítima e o pai do vice-prefeito por conta de briga de poder”, explica o delegado.
Vida política
Vicente Tomé foi prefeito de Granjeiro duas vezes. Em 2014, a Justiça o condenou por desvios na Saúde e na Educação, e o tornou inelegível por seis anos. Foi Vicente quem indicou o filho Ticiano, que nunca tinha sido nem vereador, para ser vice na chapa de João do Povo.
“Embora o filho desse senhor fosse o vice-prefeito, ele queria tomar a frente de tudo, a ponto de querer uma mensalidade. E isso foi vetado pela vítima”, diz o delegado. A mensalidade seria uma espécie de salário pago pelo Município.
Com a morte do titular e prisão do vice-prefeito, o presidente da Câmara Municipal de Granjeiro, Luiz Márcio Pereira, se tornou prefeito da Cidade. Questionado se Ticiano Tomé tentou influenciar os vereadores contra o prefeito João Gregório, ele confirma.
“Aconteceu (a tentativa de influência). Simplesmente chegaram pessoas lá dizendo que ele oferecia alguma quantia pra gente formalizar alguma denúncia”, diz o atual gestor.
Em 2018, a Polícia Federal chegou a investigar desvio de dinheiro por parte de João Gregório. No entanto, não há nada comprovado contra ele até a data da publicação desta reportagem.
No último dia 15, foram presos Ticiano, Vicente e mais sete pessoas acusadas de participação na morte de João do Povo. A defesa dos dois políticos contesta as prisões e alega inocência.
“A defesa já buscou os meios legais, acredita na Justiça e acredita que, futuramente, nós teremos todos os meios de provas necessários a comprovar a nossa tese, a tese defensiva da não autoria intelectual dos nossos constituintes frente a esse bárbaro assassinato que ocorreu no município de Granjeiro”, afirma o advogado de Ticiano, Luciano Alves Daniel.
Efeitos do crime
Até hoje os efeitos da morte de João do Povo são sentidos pelos moradores do Município. O atual prefeito, Luiz Márcio Pereira, diz que “não tem culpa” de assumir a gestão da cidade e trabalha para unir adversários político, no entanto, após o crime que chocou a cidade, ele admite ter medo por estar no cargo.
“Eu fiquei um pouco com medo. Fazer caminhada, eu não vou mais. De jeito nenhum.”
Fonte: Diário do Nordeste