Um esquema de emissão de atestados falsos, que acontece há pelo menos dois anos, levou dois policiais militares a se tornarem réus na Justiça do Ceará. O Ministério Público do Ceará (MPCE) denunciou o tenente-coronel e oficial de saúde da Corporação Militar Vandick de Queiroz Germano pelo crime de falsidade ideológica e o soldado Antônio José de Abreu Vidal Filho por estelionato qualificado.
A denúncia enviada pela Promotoria de Justiça Militar e Controle Externo da Atividade Policial Militar foi acolhida pelo Poder Judiciário por meio da Auditoria Militar. As informações dão conta que o tenente-coronel Vandick vem homologando atestados irregulares a favor do soldado. Abreu, por sua vez, estaria em viagem aos Estados Unidos da América (EUA) de licença médica, enquanto se vale dos vencimentos pagos pelo Governo do Ceará.
Consta nos autos que o primeiro atestado emitido para o soldado foi em setembro de 2018. Saindo do seu turno de serviço, Antônio José sofreu um acidente de moto e machucou o ombro. Ele foi afastado do serviço policial ostensivo por recomendação médica durante sete dias. Quando o atestado estava prestes a vencer, o praça conseguiu novo afastamento, desta vez por 60 dias. O novo prazo teria fim agendado para 26 de novembro de 2018. Foi então que o soldado conseguiu outros 60 dias.
“A partir dessa sucessão de atestados médicos, e percebendo que em nenhuma das vezes o soldado denunciado sequer compareceu no quartel para repassar a situação aos seus comandantes, a Polícia Militar ainda foi surpreendida quando verificou que os atestados do policial denunciado passaram a ter outra fundamentação, deveras alheia ao seu problema inicial na articulação do ombro. É que em 28 de janeiro de 2019, nesta Capital, o denunciado Antônio José de Abreu Vidal Filho encaminhou para a Polícia Militar um atestado com diagnóstico de ‘reação aguda a stress pós-traumático’.”
Ministério Público do Ceará (MPCE)
Suspeitas
As emissões e homologações dos atestados continuaram a acontecer e levantaram suspeitas. Em abril, um médico estipulou mais um mês de licença para o soldado, enquanto documento da Coordenadoria de Perícia Médica (Copem) o afastou por dois meses “sem nem ao menos especificar por qual razão aumentaria em 1 mês o período compreendido pelo médico da origem”.
De acordo com a denúncia, em paralelo à sucessão de atestados médicos em datas variadas, a Polícia Militar apurou que o soldado denunciado naquela época nem mais residia no Brasil. A Polícia Federal informou que Antônio José de Abreu Vida Filho saiu do Brasil no dia 5 de dezembro de 2018, por meio do Aeroporto de Guarulhos, e só retornou ao País em abril de 2019. As provas indicam que enquanto de licença, o praça sequer estava no Brasil.
Daí que paralelo ao crime cometido pela praça, descobrimos a qualidade da atuação médica do denunciado TC PM Vandick de Queiroz Germano, que assinou os dois atestados médicos materialmente inverídicos, e, quando prestou seu depoimento em sede policial, nada disse em sua defesa que pudesse demover a gravidade dos fatos apurados contra si e, ao contrário, declinou que “não sabe como o soldado Vidal conseguiu, a priori, uma licença de 60 dias, pois o procedimento padrão é uma licença de 30 dias”
“Ora, se o próprio denunciado Vandick, que foi quem assinou a licença médica estipulando o tempo de 60 (sessenta) dias de afastamento para a praça codenunciada, não sabe justificar seus atos, como poderá este Ministério Público vislumbrar outra coisa, senão o crime indigno que o oficial superior praticou?”
Ministério Público do Ceará, questionando a atitude do oficial
O órgão acusatório ainda aponta que o Governo do Ceará foi ludibriado pelo soldado e, conforme o Portal da Transparência, “no mês em que ele manejou o atestado materialmente falso para se eximir das suas escalas de serviço, o ente estatal ludibriado e induzido a erro, lhe pagou a importância bruta de R$ 4.915,09. Por sua vez, enquanto gozava das benesses do atestado e sem trabalhar, recebia salários, a custa de justificação inservível, o povo do Ceará lhe pagou salário bruto no montante de R$ 3.607,91”.
Penalidades
Se condenado por estelionato, o soldado deve ter pena de dois a sete anos de reclusão. Já o oficial Vandick de Queiroz, acusado de falsidade ideológica, pode ter pena de reclusão de até cinco anos.
O Ministério Público também solicitou aplicação de medida cautelar para o oficial. A Justiça deferiu o pedido determinando que, pelo prazo inicial de seis meses, o tenente-coronel fique impedido de realizar perícias médicas oficiais, “devendo ser alocado em outra função de cunho meramente administrativo”.
A reportagem solicitou posicionamento da PMCE sobre o caso, mas até a publicação desta reportagem não teve retorno. As defesas dos réus não foram localizadas.
Por Emanoela Campelo de Melo
Fonte: Diário do Nordeste