Dia desses, num desses programas televisivos de grande apelo popular, aqui do nosso estado, apareceu um rapazinho que procurava identificar o pai que nunca conhecera. A história parecia arrancada de um livro. A mãe de origem humilde engravidara em Teresina, no Piauí, de um homem casado. A solução que ele encontrou para contornar o problema pareceu-lhe a mais salutar. Comprou uma passagem para Fortaleza e a embarcou com pouquíssimo dinheiro. Pediu-lhe que o esperasse lá na rodoviária alencarina que ele chegaria no dia seguinte. A promessa, como era fácil de se perceber, nunca se concretizou. A pobre mãe teve que se virar morando na rodoviária e nas cercanias por algum tempo, como vendedora de pequenos picuaios, até que o menino nascesse. Depois envolveu-se com um namorado que era alcóolico e lhe batia. O menino cresceu, ajudou-a em pequenos bicos pelas ruas e, agora, empregado no comércio, resolvera ir à TV, contar sua história, na esperança que o pai, que já perdoara, aparecesse. Histórias com diferentes nuances pululam na mídia e se multiplicam nas redes sociais. No Nordeste, então, onde as ondas migratórias sempre foram tão intensas, muitos e muitos homens ao invés de assumir suas ninhadas, fazem é sumir.
Esta história verídica me trouxe uma reflexão sobre a importância do pai para seus rebentos. Mesmo com a imensa sacanagem perpetrada pelo genitor piauiense, o filho o procurava com afã. Como se lhe faltassem páginas no livro da vida e a sua história estivesse com roteiro incompleto. E, claro, fica-nos a certeza de que no processo de criação dos filhos somos meros atores coadjuvantes. É quase impensável pensar num abandono inqualificável como o da história do menino da rodoviária tendo como protagonista uma mãe. Se há o provérbio: “uma mãe é para cem filhos e cem filhos não são para uma mãe”, no que tange à paternidade podemos depreender que uma mãe equivale, na Casa de Câmbio da Existência, a pelo menos uma centena de marmanjos reprodutores.
Hoje comemoramos nosso dia dos pais. Nenhum de nós tem a pretensão de concorrer com o sagrado dia das mães. E somos muitos tipos de pais mundo afora: os Pai-Aço (como o de Teresina), os Pães (meio pai e meio mãe), os Pavôs (meio pais e meio avôs) , os Pai-óis (eternos a abastecedores da filharada) e os Pai-Manés e os Pai-xões (aqueles gabolas eternamente cagando goma pelos seus rebentos). Ficamos felizes e realizados com a simples chegada dos filhos e netos para o almoço, ou o telefonema dos que estão distantes. Abriremos o sorriso farto para as lembrancinhas: o par de meias Lupo, a caixinha de lenços, a canequinha com os dizeres: ‘Pai Te Amo”. A simples presença de cada um de vocês já nos alegra e satisfaz. Vocês são nossa única chance de imortalidade. A certeza única de que no efêmero da vida conseguimos imprimir laivos de eternidade. Quando a rosa fenecer no jardim do tempo, o perfume continuará almiscarando as planícies ao derredor. Vocês são essa colônia, essa fragrância doce e aveludada, o eflúvio daquela essência única que fomos destilando com os fios dos dias e das horas e que permanecerá no ar mesmo quando as pétalas se desfolharem sob a aragem do tempo e a pulsação pendular dos ciclos das estações.
A simples presença de vocês é nosso presente e, também, nosso futuro. Mesmo ganhando meias, nos sentiremos inteiros.
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor. Membro do Instituto Cultural do Cariri (ICC)
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