Era tarde em Roma, mas o mundo inteiro parecia conter a respiração. As badaladas da Praça de São Pedro ecoavam com a solenidade de séculos, e a fumaça branca que escapava da chaminé da Capela Sistina anunciava ao planeta que mais uma vez um sucessor de Pedro havia sido escolhido. O nome, anunciado logo em seguida, carregava o peso de uma herança ousada e, para muitos, surpreendente: Leão XIV. Um nome que evocava força, coragem e uma clara vontade de retomar vozes firmes no comando da barca de Pedro.
A escolha do nome, por si só, já foi um gesto simbólico. Leão XIII, lembrado como o “papa dos operários”, e Leão I, o Grande, que enfrentou Átila com nada além de fé e palavras, pareciam conversar no tempo com o novo pontífice. Leão XIV parece propor um papado que não se acovarda diante dos dilemas do século XXI. Entre crises ecológicas, polarizações políticas e uma juventude que muitas vezes vê a fé como ruína do passado, o novo papa tem diante de si um campo de batalha complexo e inédito.
Mas o novo papa — ainda pouco conhecido do grande público, mas respeitado nos círculos internos do Vaticano por sua sabedoria silenciosa — não parece interessado em travar guerras. Sua primeira fala pública, serena e pastoral, foi marcada por palavras como “escuta”, “misericórdia” e “reconciliação”. O mundo, acostumado a extremos, talvez não saiba ainda o que fazer com um líder que parece desejar mais pontes do que palanques.
Nas primeiras horas, já havia quem quisesse rotulá-lo: seria ele progressista ou conservador? Um papa do diálogo inter-religioso ou da reafirmação doutrinária? Um gestor eficiente ou um contemplativo de palavras suaves? Leão XIV, no entanto, parecia alheio a tais dicotomias. Sua escolha de permanecer no apartamento papal — recusando o conforto de palácios — foi outro aceno: o tempo do poder clerical, talvez, precise ceder espaço ao serviço radical.
Se o mundo espera de Leão XIV uma Igreja mais ativa nos grandes debates contemporâneos — como mudanças climáticas, migração, tecnologia e desigualdade —, o papa parece querer começar por dentro: reforma da cúria, escuta real das periferias e combate firme aos escândalos que minaram a credibilidade da instituição. Para ele, parece claro: só haverá voz profética se houver primeiro coerência.
As primeiras sinalizações também apontam para uma valorização das mulheres na vida da Igreja. Embora não se espere uma revolução abrupta, há expectativa de gestos concretos: maior participação feminina em decisões pastorais, talvez novos ministérios, e, ao que tudo indica, um sínodo futuro inteiramente dedicado ao papel da mulher no catolicismo.
O mundo secular, cético, talvez não esteja preparado para levar a sério um papa que se ajoelha mais do que aponta o dedo. Mas os sinais iniciais de Leão XIV indicam que ele pode surpreender, justamente, por não buscar holofotes. Ele caminha, antes, como um jardineiro da esperança, lançando sementes silenciosas num solo que, por vezes, parece estéril. Mas foi assim que os melhores frutos da fé sempre brotaram.
Por ora, o mundo observa. E a Igreja, ainda tímida, começa a respirar diferente. Leão XIV pode não ser o papa que todos esperavam, mas talvez seja aquele de que mais precisamos: não o rugido de um leão triunfante, mas o sussurro firme de um pastor que conhece as sombras e ainda assim escolhe o Evangelho como luz. E isso, hoje, é mais revolucionário do que parece.
Por Mirta Lourenço. Médica, professora, cronista e poetisa
*Este artigo é de inteira responsabilidade da autora, e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri