No Brasil, o grito não é um slogan vazado ao vento — é o reflexo de uma realidade cruel que persiste apesar de décadas de leis e políticas públicas. O número de mulheres assassinadas por sua condição de gênero continua a pressionar a consciência coletiva do país, denunciando uma violência que insiste em se renovar em meios à aparente “normalidade” social. Os feminicídios, assassinatos de mulheres por razões de gênero, não diminuíram; pelo contrário, batem recordes e revelam um quadro que não se pode ignorar.
Dados oficiais mostram que, no primeiro semestre de 2025, ao menos 718 feminicídios foram registrados no país, ao mesmo tempo em que milhares de casos de estupro e violência sexual foram contabilizados — uma média alarmante de violência diária contra mulheres.
Ainda que as mortes violentas no Brasil tenham apresentado uma leve queda geral nos últimos anos, a violência letal contra mulheres teima em subir ou se manter em patamares elevados. O Atlas da Violência 2025 indica um crescimento nos homicídios contra mulheres, contrariando a tendência geral de queda nos homicídios no país.
Em números absolutos, o Mapa da Segurança Pública de 2025 revela que 1.459 mulheres foram vítimas de feminicídio em 2024, o maior número registrado desde o início da série histórica, com crescimento em relação ao ano anterior.
O que torna esses dados ainda mais perturbadores é que grande parte desses crimes não ocorre em ruas isoladas ou locais públicos, mas dentro de casas, famílias e relações íntimas, onde a mulher deveria estar segura. Estudos e levantamentos mostram que a maioria das vítimas é assassinada por companheiros ou ex-companheiros — homens que não aceitaram o fim de relações ou que viram o poder sobre uma vida como direito.
Esse cenário revela que o problema não está apenas na ausência de leis — o Brasil tem legislação específica contra o feminicídio desde 2015 —, mas na incapacidade de prevenir, proteger e transformar uma cultura que tolera a violência de gênero.
A violência contra as mulheres é alimentada por desigualdades estruturais: machismo arraigado, discriminação racial e econômica e falhas nos sistemas de proteção. Dados oficiais revelam que a maior parte das vítimas de feminicídio eram mulheres negras, evidenciando que o racismo agrava ainda mais a vulnerabilidade feminina.
Enquanto isso, os programas públicos e as respostas policiais continuam lutando para alcançar eficácia real diante da escala do problema. A cada tentativa de promoção de políticas de proteção, há uma enxurrada de novos casos que remetem à impunidade e ao descaso.
E assim, enquanto as estatísticas forem lidas como números e não como vidas interrompidas, a frase “Parem de nos matar!” continuará a ser mais que uma chamada — será um pedido urgente por ações concretas, transformação cultural e justiça para mulheres que ainda estão vivas e para aquelas que já não estão.
Por Mirta Lourenço. Médica, professora, cronista e poetisa
*Este artigo é de inteira responsabilidade da autora, e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri










