Era para ser só mais um dia normal, mas a bateria do meu celular tinha outros planos. Começou com aqueles 10% de esperança, que logo viraram 5% de desespero. Quando a tela apagou de vez, senti um vazio estranho, como se tivessem arrancado um pedaço do meu cérebro.
Sem mapa, sem mensagens, sem notificações inúteis que eu insistia em conferir a cada minuto. De repente, eu estava sozinho comigo mesmo – uma companhia que há tempos eu evitava.
Olhei ao redor. As pessoas continuavam presas a seus próprios aparelhos, digitando freneticamente, absorvidas em um mundo que agora me era inacessível. Senti-me deslocado, um viajante perdido no tempo, como se tivesse sido transportado para uma época em que o silêncio era comum e as pessoas apenas… olhavam umas para as outras.
Sem nada para segurar nas mãos, percebi que não sabia o que fazer com elas. Entrelacei os dedos, cruzei os braços, depois descruzei. Mexi no bolso da calça, como se ali, por um milagre, estivesse um carregador. Mas não estava.
Foi quando me rendi. Aceitei que teria que enfrentar o mundo sem a proteção de uma tela. Comecei a reparar nos detalhes ao meu redor. Um casal discutia baixinho no banco ao lado. Um senhor de barba branca lia um livro com a capa gasta. Um cachorro amarrado a um poste observava o movimento da rua, balançando a cauda de leve, como se também tentasse entender a pressa dos humanos.
Senti o vento fresco no rosto, coisa que há tempos eu não notava. Escutei o barulho dos carros, o riso distante de uma criança, o apito do vendedor de pipoca na esquina. Pela primeira vez em muito tempo, eu estava ali de verdade.
E então, um pensamento me atingiu: será que estou tão acostumado a estar online que esqueci como é estar presente?
A bateria do meu celular morreu, mas, de alguma forma, eu acordei.
Por Mirta Lourenço. Médica, professora, cronista e poetisa
*Este artigo é de inteira responsabilidade da autora, e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri