Não existe uma bula para os dias em que o despertador toca e a alma ainda dorme. Nesses dias, levantar da cama parece um ato heróico, digno de aplausos silenciosos — mas ninguém aplaude. O sol nasce indiferente, os e-mails acumulam-se impiedosos e o café esfria antes que a coragem aqueça. É nesses momentos que a gente mais precisa de um manual. E já que não vem junto com a certidão de nascimento, decidi escrever o meu.
Primeira instrução: respire. Não no sentido automático, involuntário, mas conscientemente. Sinta o ar entrar e sair como se fosse um lembrete: você ainda está aqui. Às vezes, isso é tudo o que importa. Não tente entender o porquê da angústia logo de manhã. Não busque significado nos ruídos internos — eles mentem. Espere o dia falar primeiro.
Segunda: não acredite em tudo que sua mente diz quando está cansada. Ela exagera, distorce, dramatiza. É como uma criança irritada que precisa de colo, não de argumentos. Trate-a com gentileza, mesmo quando ela grita coisas duras. Dias difíceis são campos minados, e cada pensamento ruim é uma explosão em potencial.
Terceira instrução: vista-se como se fosse encontrar alguém importante. Pode ser você mesmo. Arrumar o corpo é uma forma de tentar alinhar o que está desalinhado por dentro. Um pouco de vaidade inocente já salvou dias inteiros do colapso. Há quem diga que é futilidade — que digam. O espelho pode ser um aliado, quando não estamos bem.
Quarta: aceite a lentidão. Dias difíceis exigem outro ritmo. Não se cobre produtividade, genialidade ou simpatia. Ninguém é máquina. Há força em simplesmente continuar, mesmo que devagar. Existe dignidade em sobreviver ao comum, ao inexpressivo. Você não precisa brilhar hoje. Só precisa atravessar.
Quinta: escreva. Mesmo que seja um bilhete, uma frase solta, um desabafo sem pontuação. Escrever organiza o caos, mesmo quando é só para deixá-lo menos barulhento. Colocar sentimentos no papel é como tirar pedras do bolso. Fica mais fácil caminhar.
Sexta e última instrução: tenha um refúgio. Pode ser uma música, uma lembrança boa, um cheiro de comida da infância, um trecho de livro grifado. Algo que te lembre de quem você é além do cansaço. Os dias difíceis passam — sempre passaram. O segredo não está em derrotá-los, mas em aprender a atravessá-los com o que nos resta de ternura.
E quando esse dia terminar, mesmo que você só tenha feito o básico, saiba que já foi o suficiente. Manual nenhum é infalível. Mas em dias difíceis, seguir até uma pequena instrução pode ser o que separa o colapso da esperança.
Por Mirta Lourenço. Médica, professora, cronista e poetisa
*Este artigo é de inteira responsabilidade da autora, e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri