Chicontoin é um sujeito bom que gosta de tomar umas com a turma no bar de seu cunhado Toureiro. Boa gente, ele costuma contar histórias de seu tempo de rapazote. Dentre tantas histórias, houve uma muito engraçada que era sobre a última vez que jogou futebol.
Dizia ele que nunca foi lá grande jogador, mas tinha sua vaga garantida no escrete pé de serrano, time do sítio onde morava, segundo quadro é bem verdade, mas era nome certo. Inclusive tem seus gols no arquivo de memória dos desportistas locais. Certa feita foram em viagem a um sítio vizinho, bem ali, contava estirando os beiços, e esclarecendo que o bem ali de sítio não é muito perto, neste caso, três léguas.
Pois bem, naquela viagem, em cima do Chevrolet queixo duro ano 66 de João Cabôco, nosso amigo realizaria seu último jogo pelo escrete pé de serrano, como dizem, pendurou a chuteira. A razão, explicou-nos ele, é que havia no time adversário, um sujeito de trejeitos meio afeminados, embora forte, voz sotacando feminina, ainda que grave. Era zagueiro e batia feito ferreiro em madrugada do Potengi. Como nosso atleta era centro- avante mesmo sendo um pouco rechonchudo, acabou por se tornar o saco de pancada do defensor. Era só tocarem a bola para ele e lá estava o brutamontes feito Luzia-Homem nos seus mocotós.
Apanhou tanto o Chicontoin, que em certa jogada, não aguentando mais tantas porrada, levantou-se pronto para a briga, mas foi só encarar o dito cujo que de imediato mudou de ideia, mas não sem antes insinuar ferozmente que o cara era baitola. Tal não foi a reação do indivíduo ao ouvir aquela blasfêmia. Aquela agressão verbal desencadeou em campo um motim por parte do time adversário, era como se algo proibido tivesse sido pronunciado. Segundo Chicontoin anos mais tarde todos viriam saber a verdade.
Verdade é que naquela tarde de domingo, com a fúria, inicialmente do jogador agredido pela acusação improcedente, seguida da defesa coletiva dos outros atletas e posterior adesão da torcida, é, a torcida também veio em defesa do zagueirão. A bomba havia explodido, haveria um linchamento na certa. Os atletas do Pé de serrano interviam, mas apenas atrasavam um pouco, um chute ali, outro acolá e o nosso atacante a se livrar. Aquela multidão feroz daria cabo de nosso jogador, fosse o medo. O medo essa força motriz que nos impele a feitos inimagináveis. Chicontoin chegou à estrada e pernas pra que te quero rumou ao sítio de casa, 18 quilômetros a pé, correndo. Descobrira por extrema necessidade que seu esporte era o atletismo. E nunca mais jogou futebol.
Ele vez em quando repete essa história quando chega um novato pelo bar de toureiro. E acrescenta com um sorriso bonachão: E aquele baitola ainda tá jogando!
Por Francinaldo Dias. Professor, cronista, flamenguista, contador de “causos” e poeta
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri