D. Celina partiu neste domingo (26), aos 103 anos. Pareceu-me, sempre, uma grande árvore frondosa e acolhedora. Deu sombra, frutos e flores para quatro gerações. Soube dosar, como nunca, amor e disciplina para todos que dela se aproximaram. Levou a pedagogia de professora para a vida cotidiana. Era uma educadora nata e é fácil ver sua influência em toda descendência.
Firme e determinada, viveu um casamento feliz e duradouro com Seu Luiz Morais, um homem simples, discreto, ético e todo coração. D. Celina trouxe ao lar o lastro pragmático necessário para enfrentar as intempéries da vida. Era profundamente religiosa. Sua casa — como árvore — era uma embaixada dos filhos, netos, sobrinhos, bisnetos, genros e noras. Acolhia-os a todos com o mesmo carinho, mas, claro, havia regras e limites a seguir (porque na vida, sabia, também é assim).
Envelheceu sem avinhagrar, como os bons vinhos. Passados os anos, inclusive, ganhou uma placidez de uma monja budista. A árvore, no cimo do Outeiro, contemplava seus frutos com uma felicidade incontida. Teve a vida gloriosa que qualquer um de nós desejaria: longa, saudável, produtiva, plena. Embora a perda física nos fira tanto, no íntimo precisamos agradecer ao universo o privilégio de tê-la no nosso convívio por tantos anos.
A grande árvore hoje viu seu caule se partir ao meio, mas, ao derredor, vejam quantos frutos espalham-se ao chão, quantos galhos frondosos já brolham do solo, refazendo a sombra de outrora. E as raízes continuam, eternamente, fincadas na terra, prontas a refazerem, com novos brolhos, a grandiosidade do caule, dos galhos, da sombra.
D. Celina continua viva e presente na vida de todos. Nossas lágrimas levam um misto de agradecimento, de alegria e tristeza. Ante uma vida tão bela, ficaremos saudosos, nunca tristes.
Por J. Flávio Vieira. Médico e escritor. Membro do Instituto Cultural do Cariri (ICC). Agraciado com a Medalha do Mérito Bárbara de Alencar
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