O último acorde do samba-enredo ecoava na avenida quando nossos olhares se cruzaram, já sem máscaras, sem purpurina, sem o calor da multidão. Quatro dias de confete e euforia se despediam, mas algo dentro de mim resistia. A fantasia podia ser passageira, mas aquele olhar parecia real demais para ser apenas folia.
Nos conhecemos no meio da praça, entre um passo de frevo e um beijo roubado. O carnaval tem essa magia: une desconhecidos como se fossem almas antigas reencontrando-se na multidão. Entre sorrisos e promessas despretensiosas, dançamos sem pressa, como se o tempo se dobrasse para nos caber. Mas e agora? O que acontece quando a quarta-feira chega e as cinzas não apagam o que ficou?
Dizem que amor de carnaval morre na dispersão, que não sobrevive ao primeiro dia útil. Mas e se, por acaso, ele desafiasse o roteiro? E se trocássemos os bloquinhos pelo café da manhã juntos, os trios elétricos por caminhadas de mãos dadas, as marchinhas por sussurros de carinho ao anoitecer? Será que o samba do nosso encontro poderia seguir além do compasso frenético dos dias de festa?
De alguma forma, sabia que a resposta estava ali, na forma como você segurava minha mão sem pressa, como se não houvesse despedida iminente. A cidade amanhecia mais silenciosa, mas dentro de nós, o tamborim ainda tocava baixinho. O amor, esse teimoso, parecia se recusar a obedecer ao calendário.
E foi assim que nos encontramos depois do carnaval, sem máscaras, sem pressa, sem desculpas. O amor que nasceu entre serpentinas decidiu que não queria ser efêmero. Descobrimos que a folia poderia ser só o prólogo de algo maior, e que, com sorte, todo dia pode ter um pouco do brilho e da alegria do carnaval.
No fim das contas, talvez o segredo não seja torcer para que o amor dure mais que quatro dias, mas aprender a fazer de todos os dias uma nova festa.
Por Mirta Lourenço. Médica, professora, cronista e poetisa
*Este artigo é de inteira responsabilidade da autora, e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri