Chamava-se João Venerável, não se sabe a origem deste sobrenome, aliás nem se sabe se realmente se tratava de um sobrenome ou de um apelido, talvez fosse João da Silva, João dos Santos, João Vieira, mas ficou João Venerável para sempre. Você lembra do que falei naquela vez em que esperava o ônibus?
Foram dez anos naquele quiosque, ao fim da primeira década da sua chegada, fizera bastante amigos. Assim considerava todos aqueles que se aclientavam a ele. O negócio prosperou de tal maneira que nosso empreendedor arriscou até no fiado. Certo presidente que governou o país por três mandatos afirmou que se tivesse dinheiro emprestaria aos trabalhadores pobres porque eles pagam. João soube disso bem antes do tal presidente se tornar o maior da história deste país e de externar tal pensamento. É verdade que os devedores às vezes atrasavam, outros inadimpliam e sumiam, porém, a maioria dos que compravam fiado a João, pagavam em dia. Foi assim que ele conseguiu comprar a duras penas, como sempre chorou, uma casinha de esquina, de taipa que derrubou, e nos fins de semana contratara um pedreiro e fazia às vezes de orelha seca na construção do que depois de seis meses viria a ser a mercearia do Venerável.
Construído o prédio, encomendou nas Montes Claros Carpintaria vinte tábuas de madeira boa, chumbou os suportes nas paredes e fez vinte prateleiras as quais surtiu com bolachas, óleo de comida, arroz, feijão, café, açúcar, e tantos outros produtos, passou a vender até aguardente Ypióca e Colonial e cerveja Brahma e Antarctica. Foi a primeira vez que disseram que João estava rico. Não fosse pela simpatia com que conversava com todos na rua, era bem capaz de ter enriquecido mesmo. Ali naquela esquina foram quinze anos. Lá contratou os primeiros funcionários, menores de idade, que levavam até a maioridade para perceberem que estavam sendo explorados. Foram tantos, trabalhando das seis ao meio dia ou do meio dia às 7. Como estudavam ou eram muito jovens não podiam ser explorados na jornada integral. Era o único artigo do ECA que João Venerável respeitava.
Por esta época, resolveu contratar a primeira pessoa adulta. Era uma jovem, meio bonita, de uma família católica formada basicamente por mulheres. O patriarca daquela família havia se mandado há anos, e dona Patrícia criara as cinco filhas e os dois filhos com o dinheiro que ganhava da lavagem das roupas do vigário e da faxina na igreja e na casa paroquial. Mariel era seu nome. Normalista, secundarista, moça educada e simpática. Dava-se bem com todos e ganhara a simpatia da clientela.
Foi dona Miloca, a papa hóstia, que saíra com esta ideia:
— João devia casar com Riel.
Usava a abreviatura do nome da moça. E acrescentava cheia de autoridade:
— Uma moça boa dessa não se encontra pelas esquinas; católica, estudada, respeitadora, uma mulher para casamento mesmo!
E soltava sua risada satisfeita.
João contava com trinta e quatro anos, idade boa para um homem casar, era o que diziam à boca miúda. Ela tinha vinte e cinco e possuía qualidades muito boas para ser a esposa de João.
Mas vá me desculpando que meu transporte vem chegando, lotado de novo, e eu preciso chegar ao trabalho.
Por Francinaldo Dias. Professor, cronista, contador de “causos” e poeta
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri