As manhãs de janeiro sempre tiveram um quê de promessa. O céu se vestia de um azul quase intocado, e os primeiros raios de sol pareciam artistas iniciando uma tela infinita. Eu, sentado no banco da praça, observava aquele espetáculo diário com um misto de admiração e indiferença. Era belo, sim, mas tão corriqueiro que, aos poucos, ia se dissolvendo no habitual. Até o dia em que conheci Ana.
Ana era pintora. Não dessas que reproduzem paisagens perfeitas ou cenas bucólicas com precisão fotográfica. Não. Ela pintava o invisível. Era o que dizia, pelo menos. Quando a vi pela primeira vez, estava com as mãos manchadas de tinta e um brilho no olhar que parecia segurar o universo inteiro.
— Você já viu o amarelo do silêncio? — perguntou ela, sem qualquer introdução.
Eu ri, meio sem jeito. Era uma pergunta absurda, mas intrigante.
— Silêncio tem cor? — devolvi, esperando que ela explicasse.
— Claro que tem! — exclamou, como se fosse óbvio. — É um amarelo profundo, quase dourado, que dança como se fosse uma chama.
A partir daquele dia, Ana transformou minha visão do mundo. Sentávamos juntos na praça, e ela descrevia cores que eu nunca percebera. O azul tímido das palavras que nunca foram ditas. O vermelho pulsante das memórias que insistem em voltar. O verde suave da esperança que se renova mesmo nos piores dias.
No começo, achei que fosse apenas poesia. Uma forma bonita de ver a vida. Mas, aos poucos, comecei a enxergar o que Ana via. Não com os olhos, talvez, mas com algo mais profundo, mais sensível. Percebi que o mundo tinha nuances que escapavam ao óbvio. E que, mesmo no caos, havia beleza.
Ana me ensinou que as cores não estão apenas nas coisas, mas nas emoções, nos gestos, nos silêncios. Elas vivem no invisível, esperando que alguém as descubra.
Hoje, enquanto o sol pinta o céu com seus tons de despedida, lembro-me de Ana e de sua paleta infinita. Ela partiu há algum tempo, deixando para trás telas e histórias que nunca saberei ao certo se eram reais ou apenas frutos de sua imaginação.
Mas uma coisa é certa: desde que a conheci, nunca mais vi o mundo da mesma forma. Porque agora, mesmo quando tudo parece cinza, sei que há cores escondidas, esperando para serem reveladas. E, como Ana sempre dizia, é preciso coragem para enxergar o invisível.
Por Mirta Lourenço. Médica, professora, cronista e poetisa
*Este artigo é de inteira responsabilidade da autora, e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri