Acordei essa manhã vendo nas redes sociais o que me pareceu reprise de anos anteriores mas que não eram. No máximo, mais do mesmo. As chuvas torrenciais das duas últimas noites, que confesso, não as vi, nem escutei por conta do cansaço que me fez sucumbir ao sono profundo. As ruas da cidade alagaram pela madrugada, e a lama certamente tomou conta do centro da cidade e de áreas periféricas que foram ocupadas sem o mínimo planejamento urbano, como dizem, na tora. A novidade é que desta vez há alguém mais reclamando que não são os comerciantes do centro ou moradores de periferias. Loteamentos “planejados” com casas padrão classe média brasileira também foram afetados. De quem é a culpa?
A cidade do Crato é fatiada, salvo engano, por cinco rios intermitentes principais, que na quadra chuvosa ganham força gigantesca por conta dos vários pequenos arroios afluentes que os alimentam com as águas adjacentes. São esses rios, o Lobo que se torna um só a partir da Vila Lobo onde se encontram três leitos de nascentes diferentes, uma advinda dos lados do Romualdo cortando o baixio do Muquém, o outro que nasce ao sopé da Serra no sítio denominado Currais e um terceiro leito originário no Chico Gomes, o qual chamamos Constantino, juntos eles descem ao encontro do rio Grangeiro, não sem antes encontrar o rio Cafundó.
O segundo, é o Cafundó, o rio de minha Aldeia que nasce de duas nascentes ambas entre os sítios Coqueiro e Grangeiro e nos limites entre Mirandão e Muriti se encontra com o rio Lobo. Nada sei sobre esse rio, a não ser que é o rio de minha infância, nele aprendi a nadar, nele pesquei bagres e piabas, buscava cajás e oliveiras na época de suas safras. Às suas margens em época de pouca consciência ambiental fazíamos nossas caçadas. Para mim o mais importante rio do mundo.
O terceiro é o principal rio de nossa cidade, que a corta pelo centro, onde hoje é o canal, é o rio Grangeiro, outrora belo e propício a banhos, onde a juventude se encontrava para nadar, suas fontes advêm dos chamados “sovacos” de serra entre o Grangeiro e o Belmonte, as histórias sobre o passado deste rio estão morrendo com seus contemporâneos. Como um vulcão que de tempos em tempos ressurge avassalador, esse rio atormenta a cidade com suas águas revoltas reivindicando cada trecho ocupado pela urbanização desde a fundação da cidade.
O quarto rio é o Batateiras, muito importante para a Geomorfologia da região, por apresentar em suas margens sedimentos comprobatórios de outras eras, talvez de quando o sertão era mar. Ele corta o sítio arqueológico do Fundão. Trata-se de um dos mais lindos rios de nossa cidade, o que mais se aproxima do perene.
O quinto rio alimenta o açude Umari, e desce suave as baixas formando o manancial do rio da Malhada, indo ao encontro do rio Salgado. Pouco sei sobre este rio. Mas sei de sua importância para aquele povo.
Todos entendemos a importância de cada um desses rios para nossa cidade. O que não se entende é a relação do povo com esses mananciais. Desmatamentos das matas ciliares, retirada de pedras e areia dos leitos destes rios, além da emissão de esgotos em suas águas, lixos de toda ordem. Some-se a isso a ocupação desordenada de áreas que originalmente pertencem ao rio, como uma espécie de área de escape natural. As chuvas vêm torrenciais e o volume das águas aumentam geometricamente. Os homens não entenderam, e há décadas vem se repetindo a mesma ladainha a cada nova enchente.
Vou às redes sociais e vejo as centenas de postagens reclamando do descaso. As pessoas perderam o encanto pelas chuvas e não mais enxergam a beleza e a dádiva que elas trazem. Mas de quem é a culpa? Não é das chuvas, não é dos rios. A culpa é dos homens de todas as épocas da fundação da cidade até os dias atuais. Eu fico com a lembrança dos banhos, das pescarias e coletas de frutas no Cafundó. O rio de minha Aldeia não tem culpa. A culpa é dos homens.
Por Francinaldo Dias. Professor, cronista, contador de “causos” e poeta
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri