A queda de Silvio Almeida, ex-ministro dos Direitos Humanos, ecoa de forma densa e dolorosa, como um trovão que rompe o silêncio de uma noite de tempestade. O homem que carregava no currículo o orgulho de defender os mais vulneráveis, que falava sobre a justiça e a ética com a profundidade de um filósofo e a paixão de um ativista, vê seu nome envolvido em acusações que atingem a alma de quem acredita no poder das palavras e das ações. Acusações de assédio sexual, vindas de uma das mais dolorosas e importantes causas que ele deveria proteger.
O caso, revelado pelo portal Metrópoles, e confirmado pela ONG Me Too Brasil, coloca sob os holofotes a ironia cruel dos tempos modernos: o defensor dos direitos humanos é acusado de violar a dignidade alheia. A figura pública que deveria ser exemplo, símbolo de ética, se torna alvo de denúncias, e a narrativa, ainda que envolta em incertezas e investigações, faz o país parar para refletir.
Parece que vivemos num paradoxo, onde a luta pela justiça se cruza com os desvios de caráter, e o discurso, por mais poderoso que seja, se desfaz quando confrontado com a fragilidade humana. As vozes que antes ecoavam pelos corredores do poder em favor das minorias, das mulheres, dos marginalizados, agora se misturam às vozes de denúncia, de indignação, de dúvida.
Silvio Almeida nega as acusações com veemência, e sua defesa é inflamada, emocional. Diz que é alvo de uma perseguição, talvez pelo peso da cor de sua pele, talvez por sua postura política. E, em meio a isso, se defende com a mesma eloquência que sempre usou para erguer bandeiras, afirmando que não há provas, que as denúncias são mentiras.
Mas o poder do discurso é uma faca de dois gumes. A narrativa de inocência, por mais que seja legítima, esbarra na complexidade de uma sociedade que aprendeu a desconfiar. Quem defende mulheres violentadas e abusadas não pode ter sua figura arranhada por essas mesmas acusações. E essa tensão entre o que se prega e o que se vive é o que torna tudo mais difícil de engolir.
O que as denúncias contra Silvio Almeida nos revelam é, antes de tudo, a fragilidade das instituições humanas. Ninguém é imune ao erro, e as figuras públicas carregam o peso de seus atos com uma gravidade que transcende o próprio indivíduo. Para além das investigações e dos julgamentos, o caso nos leva a refletir sobre os limites da liderança, da confiança e da moralidade.
Afinal, em tempos onde o direito à defesa é essencial, a presunção de inocência se equilibra com a necessidade de escutar as vítimas, de dar voz à dor, e de garantir que a verdade — essa verdade que tantas vezes se esconde nas sombras — venha à tona. Se as acusações se provarem falsas, será uma vitória para Almeida, mas as feridas abertas no tecido social não se cicatrizarão tão rápido. Se forem verdadeiras, o estrago será incalculável, não só para o ex-ministro, mas para toda a causa que ele dizia defender.
No final, resta-nos a amargura de ver mais uma vez que o poder, com suas complexidades e armadilhas, pode transformar em tragédia o que deveria ser apenas uma história de luta e justiça. E, debaixo dessa chuva pesada, o futuro de Silvio Almeida — e de tantos outros que confiam na luta pelos direitos humanos — segue envolto em nuvens densas, esperando que o vento das investigações as dissipe, para que possamos ver, finalmente, o que de fato permanece de pé.
Por Mirta Lourenço. Médica, professora, cronista e poetisa
*Este artigo é de inteira responsabilidade da autora, e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri