Outro dia encontrei uma mulher na rua, ela me falou que havia lido uma crônica minha na internet. E disse com todas as letras: — O senhor é um fuxiqueiro de primeira! Eu nunca que contaria aquela história daquele jeito. Mas fique sabendo que lembro das aulas de redação em meu tempo de colégio, a saudosa professora Marlene Holanda nos ensinou que crônica era uma história que partia de um fato cotidiano, eu entendo o senhor, ficou bem feita. Mas não foi bem daquele jeito!
Nem tive coragem de perguntar qual teria sido a crônica. Mas lembro que certa vez falei que o cronista é uma espécie de fuxiqueiro. Talvez ela tenha lido aquela crônica. Ou talvez, tenha sido um daqueles casos que justificam as letrinhas miúdas na abertura da novela da tv: “Qualquer semelhança entre nomes e fatos reais terá sido mera coincidência”, era isso! Acalmei meu coração!
Mas, ainda assim, aquelas palavras não me saíram da mente. “Mas não foi bem daquele jeito”. Sendo bem franco, nem sei de qual crônica ela falava, mas me impressionou o fato de ter citado a professora Marlene Holanda. Coincidentemente, também fui seu aluno. E aquela senhorinha com vozinha mansa, andar lento de uma avó, foi quem percebeu em mim naquele longínquo ano de 1994 o poeta que anos mais tarde despertaria em mim.
Mas não foi bem assim! Será que a história narrada na crônica lida pela mulher realmente parecia com a história de alguém que ela conhecia? Fiquei curioso. O importante é que tenho uma leitora. Será que é assídua? Elogiou-me! Talvez não seja comum ser abordado na rua por uma leitora, assim, conjecturando sobre o escrito. “Eu nunca que contaria a história daquele jeito”. Mas de que jeito? Falou da professora sobre a professora Marlene!
Foi numa aula de leitura e interpretação de texto, buscávamos uma metáfora que ela garantia estar naquele texto. Confesso que não lembro qual era o texto, se lembrasse, isso me faria especial. Mas lembro o elogio da professora Marlene quando eu, além da metáfora, percebi que havia uma ironia naquele texto. Havia uma ironia sim. E ela me elogiou.
Onde andará dona Marlene Holanda? A professora que ensinou a minha leitora o conceito do gênero textual crônica. Deve estar com seus 90 anos ou mais. Fico imaginando quanto conhecimento ela não compartilhou com todos os seus alunos ao longo de sua trajetória como professora! Eu também sou professor, é a minha profissão, com ela ganho o pão de cada dia. Também escrevo é verdade, meço uns versos “manquitolas” aqui e acolá, e semanalmente escrevo estes fuxicos a que a minha leitora se referiu. Devo tudo isso, tanto a professora Marlene, quanto a todos e todas os outros professores por quem passei em meus tempos de escola básica e academia. Obrigado a todos!
Quem diria que um encontro com uma pessoa que me leu na internet, me levaria a este saudosismo? Em verdade, em verdade vos digo, feliz de quem pode registrar as emoções e visões sobre o cotidiano. E o melhor é que desta vez não houve fuxico.
Por Francinaldo Dias. Professor, cronista, flamenguista, contador de “causos” e poeta
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri