Era uma manhã comum quando li mais uma manchete sobre a guerra de tarifas entre Estados Unidos e China. Nada de explosões ou tanques, mas um conflito silencioso, travado com cifras, impostos e tabelas alfandegárias. É o tipo de guerra que não mancha o chão com sangue, mas bagunça prateleiras, contratos e, sobretudo, o bolso de quem acha que isso tudo acontece longe demais para fazer diferença. Ledo engano.
Quando a maior economia do mundo decide taxar produtos da segunda maior, ou vice-versa, não estamos falando apenas de aço, chips ou painéis solares. Estamos falando de redes inteiras de produção sendo desmontadas, remanejadas, reajustadas. E quem paga a conta no final não é apenas o exportador chinês ou a empresa americana: é o consumidor do mundo inteiro — inclusive o brasileiro.
Você pode nem perceber, mas o preço daquele celular novinho, do computador do seu filho ou do ar-condicionado que você queria parcelar em doze vezes pode ter subido por causa de um atrito entre Washington e Pequim. Isso acontece porque muitos produtos que compramos aqui dependem de peças, insumos ou tecnologia que circulam entre essas duas potências. Se uma encarece, a outra responde, e o resto do mundo dança conforme essa música.
O Brasil, apesar de ter seu próprio mercado e parceiros comerciais diversos, ainda é altamente influenciado pelo que acontece entre os gigantes. Nossos fertilizantes, por exemplo, podem sofrer reajustes caso haja aumento nos custos de transporte e matéria-prima vindos da Ásia. E isso, em cadeia, afeta o preço dos alimentos no supermercado. Do campo à gôndola, tudo se encarece quando as engrenagens globais rangem.
Além disso, há o impacto indireto: empresas multinacionais que operam aqui podem repensar investimentos, mudar fábricas de lugar, reduzir produção ou até deixar o país, caso o cenário global fique instável demais. Em tempos de guerra tarifária, cada decisão é estratégica — e o Brasil pode tanto se beneficiar como sair perdendo, dependendo do jogo que conseguir jogar.
Essa guerra também alimenta a desconfiança nos mercados, abala a cotação do dólar e influencia nos juros. Um pequeno aumento nos preços globais pode causar inflação local, o que força o Banco Central a agir. E aí vem o efeito dominó: crédito mais caro, financiamento mais difícil, crescimento mais lento. A guerra, silenciosa como é, faz barulho no dia a dia da gente.
No meio de tudo isso, o brasileiro segue seu caminho, muitas vezes sem saber que aquela carne mais cara, a viagem adiada ou a promoção que não veio têm como pano de fundo uma batalha comercial entre duas nações do outro lado do globo. Mas não dá mais para pensar que estamos ilhados. Vivemos numa economia conectada, e cada movimento das superpotências é uma pedra no nosso lago.
A guerra de tarifas entre Estados Unidos e China pode parecer distante, mas seus efeitos já se fazem notar. Como ondas que se espalham a partir de uma pedra lançada na água, ela nos alcança. E talvez seja hora de olharmos com mais atenção para essas disputas — porque, mesmo sem nos consultar, elas moldam o nosso presente e desenham, silenciosamente, o nosso futuro.
Por Mirta Lourenço. Médica, professora, cronista e poetisa
*Este artigo é de inteira responsabilidade da autora, e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri