Maior obra hídrica do Estado, o Cinturão das Águas do Ceará (CAC), onde foram investidos cerca de R$ 1,2 bilhão, foi projetado para garantir água, sobretudo para a Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Porém, os estudos para licença ambiental permitiram que, em 2013, fossem identificados nove sítios arqueológicos no trajeto do Trecho 1 – de Jati a Nova Olinda. Destes, seis foram impactados total ou parcialmente pelo empreendimento. A luta de pesquisadores e comunidades, agora, é para garantir que estas peças sigam preservadas.
Achados
O agricultor Marcos Aldemir de Sousa, da comunidade Baixio das Palmeiras, há oito anos, trabalhava na roça plantando mandioca, a pouco mais de um quilômetro de sua casa. Todo dia encontrava machadinhas, ferramentas em pedra lascada, e pedaços de cerâmica que lembram panelas. “Era pedaço de um palmo ou mais. Se mexer naquela terra, não tem como não encontrar. O trator quando arava, encontrava. Quem trabalha em terreno, acha normal, pensa que é uma coisa sem valor”, admite o agricultor.
Sempre que encontrava peças, Aldemir entregava a representantes da Associação de Moradores, que já o havia instruído sobre o valor delas.
Pesquisa
Em 2012, com a chegada dos estudos do CAC na comunidade, arqueólogos conheceram o vasto acervo. “Aqui, só teve o estudo por causa da obra. Eles confirmaram, mas não teve nenhum trabalho de orientação”, complementa Aldemir de Sousa. Hoje, o mato toma conta do local onde foram encontrados os materiais.
Em 2013, o sítio arqueológico Baixio das Palmeiras foi reconhecido. Ele é um dos três novos sítios identificados no Crato. A obra do CAC também evidenciou mais três sítios em Missão Velha, um em Barbalha, outro em Abaiara e mais um em Brejo Santo. A maioria é lito-cerâmico, onde existem muitos materiais feitos de pedra lascada ou polida, e barro, como vasilhas. Todos com características pertencentes aos grupos pré-coloniais de origem Tupi.
A pesquisa foi iniciada pela arqueóloga Rosiane Limaverde, falecida em 2017, através da sua empresa A&R Arqueologia, Consultoria e Produção, contratada pelo CAC para realizar o estudo, que conta com apoio da Universidade Regional do Cariri (Urca) e Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri, em Nova Olinda. Esta última é responsável pela guarda do material, já que é a única da região com autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para mantê-lo. Lá, há laboratório equipado, reserva técnica, curadoria, e as peças são acondicionadas de forma adequada, como pede a legislação. O espaço também tem um museu onde parte do acervo é exposta.
Próximos passos
Atual coordenador do estudo, o arqueólogo Agnelo Queiroz explica que o trabalho com o CAC é feito em etapas e que permanece até 2021. A primeira, responsável pela emissão da licença ambiental, começou com o diagnóstico da área onde havia sinalizações por onde o canal ia passar. Em 2013, começou a prospecção; “A gente tinha um conhecimento do potencial arqueológico que, no segundo momento, confirmou esse potencial. Os sítios são locais onde existe material arqueológico com certa concentração”, explica.
Na última e atual etapa é feito o monitoramento e resgate arqueológico quando a obra já está sendo implementada. 10 profissionais, destes quatro arqueólogos, acompanham os operários e máquinas durante a remoção de solo para, caso apareçam, sejam identificados, protegidos e pesquisados. “Nos sítios impactados parcialmente ou completamente já aconteceu o resgate. A equipe faz escavações e coleta do material de forma sistemática”, descreve Agnelo.
Entre as comunidades Currais de Baixo e Baixio do Muquém, também em Crato, foi identificado o Sítio Pedra do Índio, onde estão gravuras em uma rocha, mas que também não será impactada pela obra, apesar de próxima da faixa de servidão do canal. “A gravura ou pintura rupestre não podem ser retiradas, porque foram elaboradas em matacões ou afloramentos rochosos. Quando tem uma obra desse tipo, tem que fazer um desvio ou outros procedimentos”, explica Agnelo. Sua equipe fez o registro fotográfico e o decalque digital.
Danos
As peças encontradas, exceto no Sítio São Bento/Lagoa Encantada, em Crato, estavam fragmentadas. Além do CAC, outras ações como a agricultura, pequenas obras, construção de residências ou processos naturais como drenagens, riachos, enchentes tendem a ter o processo de conservação comprometido. Todo o percurso é identificado na pesquisa para entender o contexto como foi encontrado.
Preservação
Como alternativa de preservação, a comunidade do Baixio das Palmeiras criou um espaço em um casarão de taipa, construído no século XIX, que foi batizado de Casa de Quitéria, homenageando uma das primeiras habitantes. O prédio foi transformado em equipamento cultural. “A gente usa para preservar os bens materiais e imateriais”, explica o professor e geógrafo Liro Nobre, morador da localidade.
Com desejo de impulsionar o turismo comunitário, Liro acredita ser importante manter ali um acervo arqueológico, pois para os habitantes, as peças têm valores além do científico: o cultural e econômico. “Seria importante que esses achados, que tem tudo a ver com nossa identidade, que foi produzida por nossos ancestrais, ficasse na casa que pertence à comunidade”, acredita. Como a legislação não permite, imagina que lá pode ser um ponto de apoio para que os moradores, caso encontrem alguma peça, recolham para o estudo técnico.
Por outro lado, Liro cobra mais ações, como oficinas de educação patrimonial. “Também algum tipo de compensação ambiental, já que somos impactados diretamente. Já estamos desenvolvendo muitas atividades, trabalhando com crianças, juventude, fazendo a relação com arte, cultura, memória, patrimônio, bem viver e natureza”, justifica.
Agnelo acredita que o Sítio Pedra do Índio, no distrito Baixio das Palmeiras, pode ser trabalhado como um ponto turístico. “Ele já era conhecido pela comunidade”, destaca. O arqueólogo antecipa que, como não será diretamente impactado pelo CAC, pode ser trabalhado na linha da educação patrimonial e do turismo comunitário.
Futuro
Com a paralisação da obra por falta de repasse de recursos, a pesquisa em campo também está parada. “Não estamos em campo, porque não tem obra”, explica Agnelo. Neste intervalo, o arqueólogo atenta para a não retirada inadequada de peças.
Ao fim do contrato, em 2021, o estudo só será renovado após aprovação do Iphan. “Aí, depende da necessidade. Se a gente constatar que a pesquisa foi concluída e todas as áreas foram averiguadas, não será renovado”, acredita Agnelo Queiroz.
Por Antonio Rodrigues
Fonte: Diário do Nordeste