Os elefantes bolsonaristas não conseguem se movimentar sorrateiramente na sala cheia de cristais onde vive a hipocrisia latente da política brasileira. Em se tratando da tragédia humanitária do povo Yanomami, as movimentações de Chico Rodrigues se transformam em delação premiada: sorrateiramente desastrosa.
O berço esplêndido onde dorme a injustiça congênita contra o povo brasileiro é fabricado cotidianamente pelo absurdo. Justamente no momento em que a grande mídia varre do seu mapa manipulado de pautas uma das maiores tragédias humanitárias dos povos originários, eis que o caso é aditivado por mais decadência moral crônica, densamente concentrada.
O senador Chico Rodrigues, do PSB, (mesmo partido do ministro da Justiça, Flávio Dino, e do vice-presidente, Geraldo Alckimin) bolsonarista raiz, defensor contumaz do garimpo ilegal em terras demarcadas, é nomeado presidente da Comissão instituída para acompanhar os desdobramentos fúnebres do envolvimento de garimpeiros nas terras demarcadas do povo Yanomami.
A fome matadora de índios foi premeditada pelo corte de verbas e pela ação de descaso com a vida dos povos originários, definidas abertamente pelo presidente que Chico Rodrigues defendeu e defende. A contaminação por mercúrio foi premeditada, uma vez que prevista pela ação do garimpo ilegal, que o bolsonarismo defende e que Chico Rodrigues defendeu e defende, mesmo sendo ele presidente da Comissão que acompanha oficialmente, e representando o povo brasileiro, os danos letais disso tudo.
Chamar publicamente o povo Yanomami de primitivo e defender sinceramente a condição de vítima do invasor, destruidor de vidas e do ecossistema, chegando a planejar o pagamento de uma espécie de auxílio Brasil para os garimpeiros ilegais, não basta para Chico Rodrigues. Numa terça-feira de carnaval, Chico Rodrigues invade ilegalmente, mas legalmente, – assim sempre foi possível no Brasil – a cena do crime, sozinho e sem autorização, usando uma aeronave da FAB. A desculpa esfarrapada foi de constatar os malefícios, para depois agir.
Se juntam aí várias estratégias do bolsonarismo: constranger, cercear, ameaçar, desordenar, sabotar, intimidar, e apagar os rastros da bandidagem antes que as investigações, da própria Comissão liderada por ele, avancem. Só o cinismo bandido de boa parte da vida pública brasileira pode parir uma palhaçada dessa. A reboque, a pilantragem justiceira de Chico Rodrigues atinge também a própria mídia grandiosa, velha garimpeira legalizada da tragédia pública do povo brasileiro.
Chico Rodrigues aparece como notícia “efêmera”, no momento em que a mídia sebosa se apressa em jogar no lixo da amnésia coletiva brasileira, a pauta da tragédia humanitária dos Yanomamis, pois implica em seguir o rastro do ouro, o que leva diretamente à ação escabrosa do Banco Central em comprar o ouro ilegal em larga escala, o que por sua vez implica em uma reflexão sobre a Lei mambembe que facilita essa operação, o que implica diretamente chegar ao desembarque desse ouro no mercado, sendo que é justamente isso que implica o berço esplêndido em que dorme impunemente o mercado, que a grande mídia espúria, sempre defendeu e defende.
Por Marcos Leonel – Escritor e cidadão do mundo
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri